Organizações pedem a Janot ação contra Lei da Grilagem

Para grupo da sociedade civil, entre eles a RCA, Lei 13.465, sancionada por Michel Temer em julho, promove “liquidação dos bens comuns”, estimula desmatamento e violência e precisa ser barrada por ação de inconstitucionalidade.

Segundo carta entregue à PGR pelas organizações, a Lei no 13.465 (resultado da conversão da Medida Provisória 759) “promove a privatização em massa e uma verdadeira liquidação dos bens comuns, impactando terras públicas, florestas, águas, e ilhas federais na Amazônia e Zona Costeira Brasileira”.

O texto, assinado pelo presidente diante de uma plateia de parlamentares da bancada ruralista, concede anistia à grilagem de terras ao permitir a regularização de ocupações feitas até 2011. Não satisfeito, ainda premia os grileiros, ao fixar valores para a regularização que podem ser inferiores a 10% do valor de mercado das terras. Segundo cálculos do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), apenas na Amazônia esse subsídio ao crime fundiário pode chegar a R$ 19 bilhões.

Mas o prejuízo ao país não se limita a isso. Também ganham possibilidade de regularização grandes propriedades, de até 2.500 hectares, que hoje só podem ser regularizadas por licitação. “Esta combinação de preços baixos, extensão da área passível de regularização, mudança de marco temporal e anistia para grandes invasores vem historicamente estimulando a grilagem e fomentando novas invasões, com a expectativa de que no futuro uma nova alteração legal será feita para regularizar ocupações mais recentes”, afirmam as organizações na carta a Janot. Com um agravante: pela nova lei, o cumprimento da legislação ambiental não é condicionante para a titulação, e há novas regras dificultando a retomada do imóvel pelo poder público em caso de descumprimento.

A lei também faz estragos na zona urbana:  além de dispensar de licenciamento ambiental os processos de regulação fundiária em cidades – o que pode consolidar ocupações de zonas de manancial em cidades que já foram atingidas por crises hídricas, como Brasília e São Paulo, também permite que governos locais legalizem com uma canetada invasões de grandes especuladores urbanos feitas até 2016.

(Com informações do Observatório do Clima)

Veja abaixo a integra da carta

Inconstitucionalidade da Lei 13.465 de 11 de julho de 2017: Terras, Florestas e Águas Federais em Risco.

Brasília, 28 de julho de 2017

Exmo. Sr. Rodrigo Janot

Procurador-Geral da República

As organizações abaixo-assinadas vêm manifestar preocupação e solicitar medidas legais) nº 12/2017 (MP 759/2016), que alterou diversas regras sobre a regularização fundiária rural e urbana no país, convertida na Lei nº 13.465/2017.

A Lei nº 13.465/2017 promove a privatização em massa e uma verdadeira liquidação dos bens comuns, impactando terras públicas, florestas, águas, e ilhas federais na Amazônia e Zona Costeira brasileira. As funções socioambientais, econômicas e arrecadatórias dos bens da União são violadas.

Em relação à regularização fundiária rural, as alterações legais enviam um claro sinal à sociedade de que invasões de terras públicas aliadas ao desmatamento ilegal são condutas toleráveis e premiadas. Isso ocorre porque, sob pretexto de aperfeiçoar as regras fundiárias, as alterações legais promovem ampla anistia ao crime de invasão de terras públicas, previsto no Art. 20 da Lei nº 4.947/1966, bem como oferecem generosos subsídios ao cobrar valores irrisórios na regularização pela venda das terras da União.

Primeiro, a Lei nº 13.465/2017 alterou o marco temporal para regularização fundiária, permitindo que invasões recentes (até 2011) sejam passíveis de regularização. Essa mudança, na prática, anistia o crime de invasão. Segundo, a nova lei estabelece que o valor pago pela terra será de 10% a 50% do valor mínimo da pauta de valores da terra nua elaborada pelo Incra. O resultado serão valores menores que 10% do valor de mercado das terras, representando uma entrega do patrimônio público federal a preço subsidiado para quem, de fato, praticou um crime. Outro agravante é permitir esses mesmos benefícios para invasões entre 1.500 e 2.500 hectares (latifúndios), que antes só seriam regularizáveis mediante licitação pública. Esta combinação de preços baixos, extensão da área passível de regularização, mudança de marco temporal e anistia para grandes invasores vem historicamente estimulando a grilagem e fomentando novas invasões, com a expectativa de que no futuro uma nova alteração legal será feita para regularizar ocupações mais recentes.

Lembramos que a invasão de terras públicas é acompanhada pelo desmatamento ilegal como forma de sinalizar a ocupação das áreas. Após um período de forte redução de desmatamento na Amazônia, o país voltou a registrar aumento alarmante nas taxas anuais de perda da cobertura florestal. Esse fato põe em risco os compromissos assumidos pelo Brasil para mitigação das mudanças climáticas, previstos no Decreto nº 7.390/2010 e, mais recentemente, nas contribuições nacionais para cumprimento do Acordo de Paris, promulgado pelo Brasil no Decreto nº 9.073/2017.

Além disso, o estímulo a invasões de terra e ao desmatamento acirra conflitos agrários, bem como com as populações indígenas e tradicionais cujos territórios não foram reconhecidos. Os conflitos agrários no país cresceram 26% de 2015 a 2016, representando o maior aumento em 31 anos. Já em 2017, duas chacinas na fronteira da expansão do desmatamento na Amazônia indicam que essa tendência pode continuar, com nove assassinatos de homens e mulheres em um conflito em Colniza/MT e dez assassinatos em conflito em Pau D’Arco/PA.

Destacamos ainda que o PLV enfraquece o combate ao desmatamento nos imóveis titulados, por três fatores: i) exclui a exigência direta de conservação em área de preservação permanente e reserva legal como condição para a transferência final da terra ao particular; ii) dificulta a retomada da área em casos de desmatamento ilegal e ii) impede a retomada de imóveis se o desmatamento ilegal ocorrer após três anos da titulação, reduzindo essa obrigação em sete anos se comparado à lei anterior. Essas modificações reduzem patamares de controle ambiental e atentam contra o dever do Poder Público de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais.

No tocante à regularização fundiária urbana, o novo marco legal também inverte a lógica da legislação, favorecendo grandes invasores e especuladores da terra urbana em detrimento da população de baixa renda e de seu direito à moradia adequada. Por exemplo, a lei cria o mecanismo da legitimação fundiária, que permite a aquisição originária da propriedade em área pública e privada por ato discricionário do poder público de áreas invadidas ilegalmente até dezembro de 2016.

A Lei também dispensa o licenciamento ambiental nos processos de regularização fundiária urbana, o que resultará na privatização de áreas de uso comum e de proteção ambiental em nossas cidades, como áreas de preservação permanente relevantes para proteção de recursos hídricos. Em outra violação, a lei flexibiliza regras para expansão urbana desordenada, permitindo que os municípios ampliem os perímetros urbanos sem o devido projeto técnico exigido pelo Estatuto da Cidade e, na sequência, titulem áreas irregulares no perímetro rural.

Finalmente, é temerosa a autorização da venda em ilhas oceânicas e costeiras, áreas protegidas relevantes como Fernando de Noronha, que poderá vir a ser loteada, com os terrenos vendidos para condomínios fechados e para exploração comercial. As zonas costeiras têm importância fundamental em estratégias de adaptação às mudanças do clima, especialmente aquelas baseadas em ecossistemas, como a conservação e recuperação de mangues. No entanto, a privatização em massa dessas áreas poderá reduzir a capacidade do uso dessas medidas de adaptação, aumentando os riscos dos impactos climáticos em nossas cidades.

Assim, as organizações abaixo assinadas vêm solicitar que a Procuradoria-Geral da República ingresse com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra as alterações promovidas pela Lei nº 13.465/2017.

Assinam esta carta:

Abraço Guarapiranga
Amazon Watch
Amigos da Terra
Amazônia Brasileira
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Assembleia Permanente de Entidades de Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul
Associação Bem Te Vi Diversidade
Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação – Abeco
Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente – Abrampa
Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – Apremavi
Associação para os Povos Ameaçados
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Comissão Pró-Índio de São Paulo
Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS
Conservação Internacional – CI
Ecologia e Ação – Ecoa
Espaço de Formação Assessoria e Documentação
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Fórum de Comunidades Tradicionais Angra-Paraty-Ubatuba
Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável – FBDS
Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
Fundação SOS Matatlântica
Fundación Avina
Greenpeace Brasil
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
Igré Associação Sócio-Ambientalista
Iniciativa Verde
Instituto Bolsa Verde do Rio – IBVRio
Instituto Centro de Vida – ICV
Instituto Curicaca
Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia – Idesam
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – IDSM
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé
Instituto de Pesquisas Ecológicas – Ipê
Instituto de Regularização Fundiária Popular – IRFUP
Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazom
Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá
Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
Instituto Pólis
Instituto Socioambiental – ISA
Instituto SOS Pantanal
International Rivers Brasil
Laboratório de Habitação e Assentamento Humanos da FAU-USP
Marcha Mundial do Clima / SOS
Clima Terra Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
Movimento Aeroporto em Parelheiros Não
Movimento Nacional Contra Corrupção e pela Democracia – MNCCD
Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal do Espírito Santo – Organon
Observatório do Clima
Observatório Socioespacial da Baixada Santista
Projeto Saúde e Alegria
Rede de Cooperação Amazônica – RCA
Rede de Olho nos Mananciais – São Paulo
Rede de ONGs da Mata Atlântica
Rede ODS Brasil
Sarau das Águas
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS
The Nature Conservancy
Travessia
Uma Gota no Oceano
WRI Brasil
WWF-Brasil

0 Comentários

Deixe um comentário

XHTML: Você pode usar essas tags: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

Rede de Cooperação Amazônica

A RCA tem como missão promover a cooperação e troca de conhecimentos, saberes, experiências e capacidades entre as organizações indígenas e indigenistas que a compõem, para fortalecer a autonomia e ampliar a sustentabilidade e bem estar dos povos indígenas no Brasil.