Documento Final do Seminário “Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas”

Recomendações ao Estado brasileiro


A Rede de Cooperação Alternativa Brasil (RCA), constituída pelas organizações Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC), Conselho das Aldeias Wajãpi – Apina, Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), Hutukara Associação Yanomami (HAY), Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), Instituto Socioambiental (ISA), Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC) e Associação Wyty-Catë dos Povos Timbira do Maranhão e Tocantins, realizou de 21 a 24 de outubro de 2009, em Rio Branco, Acre, o Seminário sobre Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas. Contando com a participação de representantes de organizações indígenas, indigenistas e socioambientais, o seminário possibilitou, por meio de apresentações de experiências, discussões em grupos de trabalho e plenárias, uma reflexão sobre um amplo mosaico de iniciativas de gestão territorial e ambiental em terras indígenas, que vêm sendo conduzidas por estas organizações, em diferentes regiões do país, especialmente no Acre, Amapá e norte do Pará, norte do Tocantins e Sul do Maranhão, Vale do Javari, Parque do Xingu, Rio Negro e Terra Indígena Yanomami.

Entre as boas práticas de gestão territorial e ambiental em curso nas terras indígenas foram salientadas a importância de se formar agentes indígenas (que vem sendo nominados como agentes agroflorestais, agentes de manejo e/ou agentes ambientais) para a gestão de seus territórios e seus entornos, como forma de engajar as comunidades indígenas na construção de iniciativas coletivas relativas ao presente e futuro de seus territórios e dos recursos neles existentes. Planos de gestão, construídos e acordados coletivamente, envolvendo vigilância e fiscalização de limites, segurança alimentar, proteção da floresta, relação com vizinhos e mapeamento participativo, bem como a implementação de projetos de desenvolvimento comunitários, foram indicados como ferramentas estratégicas para a proteção territorial e conservação ambiental das terras indígenas. A organização comunitária para o planejamento e implementação de atividades coletivas e a realização de intercâmbios entre aldeias, povos e terras indígenas foram apontados como mecanismos importantes para viabilizar uma gestão territorial e ambiental integrada das terras indígenas. Por fim, a necessidade de uma política pública específica para a proteção e gestão territorial e ambiental das terras indígenas, elaborada com a participação efetiva de representantes das comunidades e organizações indígenas, foi indicada como fundamental para que os povos indígenas alcancem qualidade de vida em seus territórios tradicionais.

Os participantes do seminário avaliaram que, apesar de avanços recentes e localizados, há inúmeras dificuldades a serem superadas para que se efetive o direito constitucional de posse permanente e garantia do usufruto exclusivo aos povos indígenas de suas terras, inclusive aquelas já homologadas e registradas. Avaliaram, também, que a gestão territorial e ambiental das terras indígenas deve se tornar uma preocupação central nas políticas públicas indigenistas e ambientais do país.

A seguir, as organizações participantes do seminário propõem um conjunto de ações e recomendações às instâncias do governo, direta e indiretamente envolvidas com o tema em questão, que, se adotadas ou intensificadas, contribuiriam para uma mudança qualitativa na forma como vêm sendo implementada a gestão territorial e ambiental das terras indígenas no Brasil:

1. O Governo Federal deve conceber e implementar um programa nacional de gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas, com um forte componente voltado para a vigilância e fiscalização das Terras Indígenas que envolva diretamente as organizações indígenas em ações de proteção territorial;

2. O Governo Federal e os governos estaduais devem ampliar o apoio financeiro e a assistência técnica a projetos de gestão territorial e ambiental nas terras indígenas, dando prioridade às iniciativas que já estão sendo desenvolvidas pelas próprias comunidades indígenas nas áreas de segurança alimentar, sustentabilidade econômica e fiscalização dos limites de seus territórios;

3. O Governo Federal e os governos estaduais devem promover o reconhecimento oficial, como categoria profissional, dos agentes indígenas hoje diretamente envolvidos com a gestão territorial e ambiental das terras indígenas, tais como agentes indígenas de manejo ambiental, gestores territoriais e agentes agroflorestais indígenas;

4. O Governo Federal deve intensificar a fiscalização e proteção dos territórios indígenas mediante a elaboração de uma legislação específica que regulamente as atividades produtivas numa faixa de entorno das terras indígenas;

5. Os órgãos governamentais competentes devem desenvolver ações de esclarecimento e iniciativas de formação das populações não indígenas que vivem e trabalham no entorno das Terras Indígenas de modo a desmistificar estereótipos a respeito dos povos indígenas, provendo informações qualificadas sobre os mesmos;

6. É preciso haver maior integração entre programas e agências governamentais responsáveis pela assistência e fiscalização de áreas protegidas, incentivando a troca de conhecimentos entre os diversos povos e indivíduos que moram e/ou usam a floresta. Estes programas e agências devem se esforçar para dialogar e criar ações conjuntas com governos do outros países voltadas para terras indígenas situadas em áreas de fronteira;

7. Agências governamentais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Polícia Federal (PF), dentre outras, devem ser mais rigorosas nas fiscalizações e penalizações aos invasores e à retirada e venda de recursos naturais das terras indígenas. É fundamental que essas agências governamentais intensifiquem e retomem, de forma integrada e sistemática, sua participação nas expedições indígenas de fiscalização das fronteiras das terras indígenas;

8. O Governo Federal deve garantir o direito dos povos indígenas serem previamente consultados, de forma livre e informada, sobre a implantação de grandes obras de infra-estrutura e exploração de recursos naturais que impactam diretamente os territórios destes povos, tal como estabelecido na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo governo brasileiro em 2002;

9. O Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do Desenvolvimento Agrário devem contemplar a participação de representantes indígenas nos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Rural Sustentável;

10. O Governo Federal e os governos estaduais e municipais devem reconhecer as iniciativas em curso de educação escolar indígena diferenciada do ensino fundamental e do ensino médio integrado, inclusive aquelas que em seu currículo contemplam e executam atividades de formação de agentes indígenas de gestão territorial e ambiental, bem como incentivar e garantir a implementação da merenda escolar regionalizada, a ser adquirida nas próprias comunidades e aldeias indígenas;

11. A Fundação Nacional do Índio (Funai) deve dar continuidade aos processos de regularização fundiária das terras indígenas do Brasil.

Participantes do Seminário Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas realizado no Centro de Formação dos Povos da Floresta, Rio Branco-AC

ATIX  – Associação Terra Indígena Xingu (Daikir Talatalakuma Waura, Ianukulá Kaiabi Suia, Ma aya  Waura)

Apina – Conselho das Aldeias Wajãpi (Jawaruwa Wajâpi, Kasianã Wajâpi, Viseni Wajãpi)

CPI -AC – Comissão Pró-Índio do Acre (Vera Olinda Senna, Renato Antonio Gavazzi, Malu Ochoa, Leandro Chaves do Araújo, Luis Marcelo Jardim, José Franki M Silva, Fabrício Bianchini, Felipe Sieollecki)

CTI – Centro de Trabalho Indigenista (Pollyana Mendonça, Mateus Txano Marubo, José Ninha Tavares Kanamari)

FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Tiago Pacheco, Higino Pimentel Tenório, Erivaldo  Almeida Cruz)

HAY – Hutukara Associação Yanomami (Rogel Seisi Yanomami, Augusto Xirixana Waiká, Neoki Saatali)

Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Luís Donisete Benzi Grupioni, Simone Ribeiro, Décio Yokota, Justino Wakawaka kaxuyana Tiriyó)

ISA – Instituto Socioambiental (Cristina Velásquez, Dafran Macário, Renata Barros Marcondes de Faria)

OPIAC – Organização dos Professores Indígenas do Acre (Francisca Oliveira de Lima Costa, Josias de Araujo Braz Kaxinawá, José Mateus Kaxinawá, Tadeu Mateus Kaxinawá, Fernando Henrique Kaxinawá, Francisco Tetxaka Ashaninka, Benk Ashaninka)

WYTY CATË – Associação dos Povos Timbira do Maranhão e Tocantins (Arlete Bandeira, Alberto Hapyhi, Durival Mendes da Cunha Gavião)

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A RCA tem como missão promover a cooperação e troca de conhecimentos, saberes, experiências e capacidades entre as organizações indígenas e indigenistas que a compõem, para fortalecer a autonomia e ampliar a sustentabilidade e bem estar dos povos indígenas no Brasil.