Lideranças indígenas relatam sua experiência de participação no intercâmbio da RCA

Lideranças do Vale do Javari, no Amazonas, do Parque do Tumucumaque, no norte do Pará, e da Terra Indígena Wajãpi, no Amapá, relatam sua experiência de participação no intercâmbio promovido pela RCA ao Parque Indígena do Xingu em outubro de 2010. Contam o que aprenderam e o que mais chamou atenção, o que os surpreendeu e o que levarão para suas comunidades dessa experiência.

Contando com 37 participantes indígenas e indigenistas, o Intercâmbio da RCA ao Xingu aconteceu de 16 a 30 de outubro, quando o grupo percorreu o Parque Indígena do Xingu e parte do seu entorno. Este intercâmbio, organizado pela ATIX e pelo ISA, integra a agenda da RCA de discussões sobre a gestão territorial e ambiental nas terras indígenas no Brasil.

Leia a seguir o relato dessas lideranças.

“Viagem boa. Fomos de vôo até Brasília e de ônibus até Canarana, esse pedaço foi cansativo, mas foi bom, não aconteceu coisa errada.

Muito triste a fazenda desmatada. Replantar outra vez não vira mato grande igual. Muita tristeza.

A CASAI de Canarana é triste.

De barco triste também, tinha mato queimado.

Teve coisa boa na aldeia Kuikuro, muito organizada, não perderam cultura, casa feita de sapé, casa diferente. Comem beiju e tapioca. Receberam bem todos nós do intercâmbio.

Vimos também o projeto de criação de abelhas. Muito importante que vimos, foi a participação de professores e AIS juntos nos cursos. Depois eles podem ajudar a cabeça do cacique.

Tem internet nas aldeias, lutam juntos e conseguem. Vi poço artesiano também.

Vimos que lá o cacique geral fala e tem entendimento com conversa com o vizinho e depois fazem refloresta. Falam e se entendem com o entorno.

Dos outros participantes, o Yanomami tem invasão de garimpeiro e outros sofrem com saúde.

Visitamos o Xingu. Lá o Collor fechou a base de avião FAB.

Trocamos Moitará.

Shimeto contente na hora que cacique da Funai regional ofereceu borduna.

Nós vimos também que os índios do Xingu assumiram regional da FUNAI defendendo e apoiando o povo deles.

O Centro de Cultura que tem lá não manda tudo para os brancos, fica na aldeia.

Vimos também que as mulheres e as crianças são quem trabalham colhendo sementes. Isso é sustentável. Mulheres organizadas ajudam os outros.

No Xingu eles abrem aldeias novas, fomos na inauguração.

Faltou sakura para nós, muito, muito mesmo.

Gostei de todas as partes até o fim. Só faltou pimenta e sakura.

Intercâmbio é importante, foi a primeira vez. Não sabia o que era intercâmbio. Aprendi alguma coisa para levar para minha aldeia.

Comemos muito pequi. Lá o pequi é plantado ao redor da aldeia. Estamos levando e vamos plantar e comer na nossa aldeia também.

No rio não tem cachoeira grande e o motor 40 corre direto, tem areia grande de praia, não tem pedra grande e reta para ficar. Nunca vi essa pedra grande lá. Lá não jogam lixo da cidade no rio, só o orgânico que jogam.

Lá a aldeia é reta, plana e a terra é vermelha, vermelha, não sai nem da roupa.

Importante foi a fiscalização dos limites para não reduzir a área.

Eles têm caminhonete e caminhão que eles dirigem. Tem posto e escola estruturada. Os índios mesmos que usam internet e o posto da Funai também. Em cada aldeia radiofonia, rádio da saúde e rádio da FUNAI. Estruturado mesmo.

Algumas vezes não seguiam horários e as atividades eram até muito tarde sem descanso. Relato do cacique geral dos Tiriyó, Shimeto Tiryio, e do professor indígena e tesoureiro da Apitikatxi, Ubirajara Kaxuyana, do Parque Indígena do Tumucumaque, norte do Pará, que viajaram ao Xingu na delegação do Iepé.

Durante essa viagem ao Parque Indígena do Xingu, eu conheci vários parentes de outras regiões e os presidentes das associações indígenas que existem nos estados, onde eu tive oportunidade de aprender várias formas de trabalhar com as comunidades indígenas onde eu trabalho. Também conheci uma região que todas as escolas indígenas são bem estruturadas que tenha os seus computadores, internet, com seus Projetos Político Pedagógicos, biblioteca, centro de pesquisa de cultura, reconhecido pela secretaria, onde o indígena ensina toda a aprendizagem como os cantos, mitos, danças, medicinais tradicionais e toda a aprendizagem daqueles povos do parque indígena Xingu.

Toda a comunidade dessa região tem os seus Pólos de Saúde todos equipados, onde eles têm os equipamentos como radiofonia, telefone, internet, computadores e pista de avião para retirar os pacientes graves para a cidade. Toda comunidade tem água tratada para o uso da comunidade, os índios do Xingu não bebem a água deste rio, porque é poluído da barragem que os brancos fizeram na nascente do rio Xingu, e cada Pólo de Saúde tem as salas de consultório de Saúde bucal, sala de rádio, sala de vacina, banheiro masculino e feminino, sala de coordenação, sala de estudo e outros.

Eu achei muito importante quando os brancos estão fazendo o manejo da floresta nas nascentes do rio Xingu e também nas outra região como no Acre, isso pode ser um exemplo para outras pessoas reflorestarem as áreas onde tem desmatamentos e que precisa ser reflorestado, principalmente nas nascentes dos rios ou igarapés.

Quando eu vi o próprio indígena fazendo a filmagem, achei muito interessante, eles não dependem mais dos brancos, isso pode ser um exemplo também para outros povos de outra região onde não funcionam essas coisas, como no Vale do Javari. A maioria dos trabalhadores são indígenas que planejam, que programam e fazem funcionar estes trabalhos como: o trabalho da Funai, da Saúde, da Educação, Fiscalização da Terra e outros trabalhos que os indígenas fazem, eu pretendo fazer este tipo de trabalho junto com o meu povo Kanamary do rio Itacoaí.

Outra coisa que eu achei muito importante quando o jovem valoriza mais as suas tradições como as danças, cantos, pinturas e outro modo de ser índio daquele povo, todas as malocas são das tradições. Todo esse conhecimento que aprendi pretendo multiplicar para todas as comunidades Kanamary, com essa viagem do intercâmbio no Xingu eu fico mais fortalecido para trabalhar na conscientização com o meu povo falando a importância da língua materna, das pinturas, cantos, histórias, pajelanças e também a valorização das ervas medicinais.

Quando eu tive oportunidade de conhecer e aprender um pouco como se faz o manejo de tracajá, fiquei muito contente de ver um trabalho que nós poderíamos fazer na nossa região que nunca foi feito, todos esses conhecimentos que estou escrevendo é que aprendi nessa viagem do Xingu.

As mulheres indígenas do Xingu trabalham na coleta de semente do mato, para vender na cidade e ganhar dinheiro para manter a família. Com esse dinheiro da semente que as mulheres ganham, elas contribuem para manter a Associação, pagando impostos, internet, regularizando todos os documentos da Associação. Isso que é a contribuição das mulheres e que eu achei muito importante para propor como uma idéia para as mulheres Kanamary do rio Itacoaí.

A primeira viagem para Mato Grosso e o Xingu, com a visão de conhecer esta realidade como que era. A minha visão começou a mudar desde que nós começamos a viagem de Brasília para Mato Grosso e até chegar numa cidade chamada de Canarana. No seguinte dia continuamos a viajar para o rio Xingu de ônibus e chegamos até na beira do rio. Uma coisa que me chamou mais atenção foi a destruição da mata no entorno do Parque indígena do Xingu, como pecuarista (criação de gado), plantação de soja, e veneno que é jogado nas nascentes do rio Xingu, que está se tornando maior problema para os povos indígenas do rio Xingu. Também está dando problema para os peixes e o rio está secando cada vez mais, até para viajar de canoa os povos indígenas estão encontrando maior dificuldade.

Achei muito interessante quando eu descobri que os indígenas dessa região não comiam carne de caça, só comem peixes. Relato de José Ninha Kanamary, vice-presidente da AKAVAJA – Associação Kanamary do Vale do Javari e coordenador técnico local da Funai no Vale do Javari, que viajou ao Xingu na delegação do CTI.

Eu gostei muito de participar intercâmbio do Xingu, porque falamos muito sobre território e entorno das terras indígenas. Para os Wajãpi é importante, porque estamos discutindo a criação de faixa de amortecimento. Aprendi muito com os povos indígenas do Xingu, como temos que fazer bom relacionamento com os moradores vizinhos para não criar conflito. Aprendi sobre organização de aldeia.

Visitamos as aldeias dos Kamaiurá, Yawalapiti, Ikpeng, Kawaiwete e Kisedjê. Na primeira aldeia que passamos gostei muito. As lideranças nos receberam muito bem, com muita alegria e com carinho. Só que nesta aldeia não estava o cacique para nos receber, ele está doente fazendo tratamento de saúde em São Paulo. A aldeia inteira nos recebeu. Nesta aldeia falaram muito sobre fazendeiro, queimada, invasores, nascente dos rios do Xingu. Ouvimos muitos xinguanos falando sobre território e relacionamento com os não índios.

Falaram muito sobre a cultura indígena no Xingu, eles falaram sobre saúde, educação e registro de cultura.

Gostei de ver moitará, que nós Wajãpi não fazemos com os não índios, somente entre nós mesmos que fazemos.

Muita brincadeira durante a viagem, principalmente o senhor Hgino e Argemiro (os dois do Rio Negro) que estavam contando muita piada.

Gostei muito que os indígenas estão com cultura forte, festas, alimentação e casamento. Também vi que eles mesmos estão fazendo gestão do Parque Indígena no Xingu, para fazer limpeza na demarcação que é importante para nós indígenas. Em cada aldeia tem posto da Funai.

Gostei de ver realmente que o povo no Xingu é grande e forte. Arranham a pele com dentes de peixe cachorro, gostei muito de experimentar isso.

O que eu não gostei é que estávamos somente passando nas aldeias. Parávamos apenas para dormir. Por exemplo, na aldeia Yawalapiti e kuikuro ficamos só uma noite, não teve tempo para trocarmos experiência.

Gostei muito de kasiri que foi feito para os Wajãpi, muita fatura de peixe, pequi e muito beiju. Muitos indígenas contaram suas realidades diferentes de saúde, cultura, terra e ambientes.

Achei mais triste o entorno no Parque Indígena do Xingu que não tem as árvores para se proteger de vento.

A RCA fez intercâmbio para o Xingu e foi 100% porque eu trouxe muito coisas boas para meu povo Wajãpi. Relato de Viseni Wajãpi, professor indígena e membro do Apina – Conselho das Aldeias Wajãpi, que viajou ao Xingu na delegação do Apina.

Na cidade de Canarana visitamos um reflorestamento em área desmatada. Foi muito interessante. As pessoas do Xingu estão fazendo essa experiência junto com o ISA. Eles conseguiram replantar de novo e fazer a floresta voltar. Esse reflorestamento serve para a área não virar deserto e cuidar das nascentes dos rios. É preciso sombra para as nascentes e para os animais. Sementes e viveiro conseguem ajudar aquele lugar e a mata cresce de novo. Lá, junto com os fazendeiros e o povo indígena do Xingu, existe conversa para cumprir o trabalho e plantar de novo pé de árvore. Isso ajuda a pessoa a respirar de novo. Por que a pessoa pensou muito e muito já foi desmatado e estão conseguindo praticar essa experiência.

No Xingu conseguiram afastar o fazendeiro. Os Yanomami contaram uma coisa muito triste. Até hoje tem fazenda dentro da área Yanomami.

Nós deveríamos seguir esse caminho, o Xingu é um grande exemplo por que desmatamento e madeireiros estão em outros estados também.

É preciso lutar junto, pensar de outra maneira, pensar no futuro, achar uma solução para a outra geração. Se eu não pensar não vai ter solução, vai ficar parado ali mesmo.

Os jovens devem explicar para nossas lideranças que essas viagens são para trabalho, para ouvir outra experiência, por exemplo, cultura, terra e fiscalização. Será que essa experiência não é interessante? Para mim é interessante.

Lá no Xingu existem muitos mecanismos, a cultura se modifica, mas não perdem a cultura. O jovem segue a palavra da liderança e não fica falando que não pode dançar e que só quer ficar no computador. Tem Wajãpi que mora na cidade e que fica com vergonha de cantar e dançar. No Xingu não tem vergonha, mesmo quem vive na cidade participa da festa. Foi muito legal a cultura fortalecida. Eles não querem ser como os brancos. No Xingu a cultura é mais forte.

Lá o povo é organizado, eles dirigem o carro e eles têm a Funai local e regional. São eles próprios que fazem fiscalização e limpeza dos limites. São organizados em equipes de cozinha e abastecimento de água, como vários setores, para ficar responsável pelo trabalho que podem fazer. Relato de Kuripi Wajãpi, pesquisador indígena, representante indígena na Secretaria Especial dos Povos Indígenas do Amapá, que viajou ao Xingu na delegação do Apina.

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