Repúdio às investidas do Itamaraty contra organismos internacionais de defesa dos direitos humanos

Mais de 40 organizações da sociedade civil, entre elas a Rede de Cooperação Amazônica (RCA), repudiaram hoje, 9 de junho de 2017, nova investida da chancelaria brasileira contra a ONU e a OEA. Esta é a segunda vez em menos de duas semanas, que o Itamaraty rechaça críticas da ONU e da OEA à situação de direitos humanos no país. Desta vez, o ataque se centrou no comunicado conjunto publicado por quatro especialistas na manhã do dia 8 de junho sobre a violência no campo e os ataques aos povos indígenas e à proteção ambiental. O Ministério das Relações Exteriores, comandado por Aloísio Nunes, qualificou como “infundada” a afirmação de quatro relatores especiais de que “os direitos dos povos indígenas e o direito ambiental estão sob ataque no Brasil”. A crítica do Itamaraty voltou-se contra comunicado conjunto publicado pelos relatores da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, sobre defensores de direitos humanos, Michel Forst, e sobre meio ambiente e direitos humanos, John Knox, além do relator da CIDH para os direitos dos povos indígenas, Francisco José Eguiguren Praeli.

De acordo com os relatores, nos últimos 15 anos o país acumulou o maior número de assassinatos no campo do mundo, com uma média de uma morte por semana. “Em um contexto como esse, o Brasil deveria fortalecer a proteção institucional e legal dos povos indígenas, assim como dos quilombolas e outras comunidades que dependem de sua terra ancestral para sua existência cultural e material”, afirmaram. “É altamente preocupante que, ao contrário, o Brasil esteja considerando enfraquecer essas proteções.”

De acordo com os especialistas, “os direitos dos povos indígenas e o direito ambiental estão sob ataque no Brasil”. Eles citaram, como exemplo, o relatório da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Funai (Fundação Nacional do Índio) na Câmara dos Deputados, aprovado no dia 17/5, que pede o indiciamento de mais de noventa pessoas ligadas a órgãos do governo e a entidades da sociedade civil e recomenda, ainda, a reestruturação do processo de demarcação de terras indígenas no país. “Esse relatório dá muitos passos para trás na proteção de terras indígenas”, criticaram.

Para os relatores, o cenário de violações de direitos humanos no campo pode ser agravado com a aprovação, pelo Legislativo, de projetos que enfraquecem a proteção ambiental e desconfiguram o processo de licenciamento ambiental para a aprovação de projetos relacionados à infraestrutura, agroindústria e pecuária – uma medida que violaria, por exemplo, a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Enfraquecer as proteções ao meio ambiente seria contrário à obrigação dos Estados de não regredir no nível de proteção dos direitos humanos, inclusive aqueles que garantem a proteção de um meio ambiente saudável”, dizem no comunicado.

Na nota à imprensa, o Itamaraty afirmou que os direitos dos povos indígenas estão assegurados na Constituição Federal e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil e que muitas das medidas criticadas pelos especialistas ainda estão em discussão no Congresso Nacional.

Os argumentos da chancelaria foram rebatidos por 44 organizações da sociedade civil, para as quais a avaliação do governo é “equivocada e descolada da realidade“. Em nota de repúdio publicada na tarde desta sexta-feira (9), as entidades afirmam que “os conflitos causados por disputas territoriais e a má gestão de áreas protegidas estão plenamente instalados” no país e se traduzem no agravamento da violência contra trabalhadores rurais e comunidades indígenas.  “O Brasil não tem conseguido ser coerente com seus próprios compromissos e agrava tal posicionamento com ataques aos órgãos de direitos humanos da ONU e da OEA”, dizem na nota.

Como exemplo dos retrocessos nesse âmbito, as organizações mencionam a nomeação de Osmar Serraglio (PMDB-PR) para o Ministério da Justiça, retirado do cargo no final de maio. Serraglio foi relator na Câmara dos Deputados da proposta de emenda constitucional que transfere a responsabilidade pela demarcação de terras para o Congresso (PEC 215).

Também citam os debates ao redor da proposta de Lei Geral de Licenciamento Ambiental (PL 3729/04), que tramita em urgência na Câmara e isenta atividades potencialmente poluidoras do processo de licenciamento, além de tornar não obrigatória a manifestação de órgãos como a Funai durante a aprovação de projetos.

Ao contrário da aparente neutralidade que se pretende transmitir frente a todas essas disputas e conflitos, é extensa a lista de fatos que reforçam a percepção de que o governo escolheu estar do lado de espoliadores dos direitos de povos indígenas e dos grupos de interesse que pretendem enfraquecer o nosso arcabouço de proteção ambiental“, afirmam.

A nota assinada pela sociedade civil reitera seu apoio às relatorias especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre direitos de povos indígenas e direito ambiental.

Clique aqui para ler o comunicado conjunto da ONU e da OEA.
Clique aqui para ler a nota do Itamaraty.
Clique aqui para ler a nota de repúdio da sociedade civil.

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Rede de Cooperação Amazônica

A RCA tem como missão promover a cooperação e troca de conhecimentos, saberes, experiências e capacidades entre as organizações indígenas e indigenistas que a compõem, para fortalecer a autonomia e ampliar a sustentabilidade e bem estar dos povos indígenas no Brasil.