Governo brasileiro ignora recomendações da ONU sobre direitos indígenas, aponta relatório da sociedade civil

Nenhuma das 34 recomendações feitas no 3º Ciclo da RPU foi atendida, e o cenário é de intensificação dos ataques do governo aos povos indígenas

O Coletivo RPU Brasil, formado por mais de 20 organizações brasileiras, dentre elas a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB e a Rede de Cooperação Amazônica – RCA, divulgou, em outubro,  as versões em português e inglês do Relatório de Meio Período do 3º ciclo da RPU, que evidencia a situação dos direitos humanos no país. A versão em inglês foi apresentada em setembro, durante Evento Paralelo na 42ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra. A APIB e a RCA contribuíram com as avaliações acerca da discriminação e violência contra povos indígenas.

Ao contrário da imagem de um Estado que garante plenamente o respeito aos direitos indígenas que o governo brasileiro quis construir em seu relatório de meio termo e no discurso de Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU, o relatório do Coletivo RPU Brasil mostra que nenhuma das 34 recomendações sobre os direitos dos povos indígenas, feitas pelos países membro da ONU em 2017, foram atendidas. Resumidamente, as recomendações tratavam da garantia do direito dos povos indígenas à demarcação e proteção de seus territórios;  da melhoraria do acesso à educação escolar intercultural e da atenção à saúde, saneamento e alimentação adequada; da necessidade do fortalecimento da Funai;  da garantia de proteção dos defensores de direitos humanos indígenas;  e da efetivação do dever do Estado de  consultar os povos indígenas sempre que alguma medida possa afetá-los, como prevê a Convenção 169 da OIT.

Como aponta o relatório apresentado pelo coletivo, o Estado brasileiro não apenas descumpriu as recomendações, como foi responsável por graves retrocessos nos temas apontados na RPU: o atual presidente afirmou em diversas ocasiões que não demarcará Terras Indígenas em seu mandato, agravando o estado de paralisia de demarcações já presente no governo passado, e fez sucessivas críticas ao que chama de “exagerada” extensão desses territórios, estimulando invasões; a Funai foi enfraquecida, e está sob comando dos setores ruralistas; a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, que era responsável pela educação escolar indígena, foi extinta; e o direito à consulta prévia segue sendo violado pelo Estado brasileiro. Como avalia a liderança indígena Valéria Paye, da APIB,  “O Estado brasileiro não demonstrou nenhum esforço em cumprir tais recomendações. Ao contrário, suas ações têm caminhado no sentido oposto, contribuindo para o agravamento do quadro de discriminação e violência contra os povos indígenas. O atual presidente brasileiro, em manifestações públicas, tem disseminado informações preconceituosas que ferem os direitos humanos dos povos indígenas e reforçam o racismo que os vitima“.

Para o antropólogo Luís Donisete Benzi Grupioni, secretário-executivo da RCA, a postura do Estado brasileiro é um desrespeito à comunidade internacional. “O relatório da sociedade civil evidenciou que o Brasil não cumpriu com praticamente nenhuma das recomendações aceitas durante sua revisão no Conselho de Direitos Humanos da ONU. É importante lembrar que as recomendações são aceitas voluntariamente pelos representantes do Estado brasileiro. O Brasil aceitou praticamente todas as recomendações feitas no 3º. Ciclo, em 2017. Quis ficar bem na foto, porque agora vemos que não passou de uma atitude de fachada, e, em certo sentido, de desrespeito à comunidade internacional e de sabotagem do próprio instrumento da revisão. E, pior, há evidências concretas de retrocessos na garantia e na promoção dos direitos humanos, de modo crescente e até acelerado”, analisou o secretário-executivo.

Baixe as versões do relatório em português ou inglês.

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Rede de Cooperação Amazônica

A RCA tem como missão promover a cooperação e troca de conhecimentos, saberes, experiências e capacidades entre as organizações indígenas e indigenistas que a compõem, para fortalecer a autonomia e ampliar a sustentabilidade e bem estar dos povos indígenas no Brasil.