Lideranças indígenas da RCA rumo à COP 26

A Rede de Cooperação Amazônica – RCA tem apoiado, desde 2015, a participação de lideranças indígenas nas Conferências Mundiais do Clima (as COPs, Conferências das Partes) e nas reuniões técnicas da Convenção da ONU para Mudanças do Clima (UNFCCC, sigla em inglês). Desde 2017 a RCA, representando as suas organizações membro, faz parte do Fórum Internacional de Povos Indígenas para Mudanças do Clima e tem participado do processo de implementação da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas, conforme mecanismo previsto no Acordo de Paris (COP21/2015).

Por Patricia Zuppi/RCA

Enquanto uma rede de cooperação formada por 14 organizações indígenas e indigenistas da Amazônia brasileira, a RCA tem buscado incidir e colaborar nas discussões e na formulação e implementação de políticas, programas e financiamentos que envolvam as questões ambientais e climáticas nas terras indígenas, promovendo maior participação e protagonismo de seus representantes.

Esta linha de atuação tem o foco na contínua capacitação e no apoio para a incidência de seus membros em espaços relevantes de discussão e negociação climática, com ênfase no monitoramento e no fortalecimento destes processos a partir das perspectivas, saberes e experiências produzidas no âmbito de suas organizações de base.

O contexto de rede favorece o intercâmbio e a difusão destas experiências locais e saberes articulados pelas organizações que a compõem, amplificando as oportunidades de intercâmbio, produção de conhecimento e incidência em prol dos povos indígenas da Amazônia.

Por isso, as delegações da RCA são formadas por aqueles representantes de suas organizações que atuam de forma relevante nesta temática e têm participado ativamente das pautas de incidência internacional.

Neste contexto, a RCA tem promovido ao longo dos anos a participação de seus membros nas Conferências do Clima (COPs), nas reuniões bianuais do Fórum Internacional de Povos Indígenas para Mudanças do Clima e nas pautas para elaboração e implementação da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas, conforme proposta pelo Acordo de Paris (COP21/2015).

Ainda em processo de construção, esta Plataforma se constituí como o principal mecanismo de participação de Povos Indígenas e Comunidades Locais na estrutura da Convenção do Clima (UNFCCC) e prevê três funções principais: intercâmbio de conhecimentos, ampliação da capacidade de engajamento de povos indígenas e comunidades locais nos processos da UNFCCC e a integração de diversos sistemas de conhecimento, práticas, inovações, bem como a participação nas ações, políticas e programas relacionados às mudanças do clima.

Diante da perspectiva de participação no processo de construção desta Plataforma, e com a Amazônia progressivamente ameaçada pelo desmonte das políticas ambientais e indigenistas no Brasil, sendo foco das discussões climáticas globais, a RCA tem investido esforços na qualificação e participação de suas lideranças indígenas de base para incidir neste contexto.

As experiências locais das organizações no que se refere à gestão ambiental e territorial das terras indígenas, bem como suas percepções e alertas, são contribuições fundamentais que embasam estes debates globais em prol da criação de novas soluções climáticas, pautadas pelo respeito aos seus direitos, saberes, necessidades e modos de vida tradicionais.

Este processo de incidência indígena na UNFCCC tem potencial, ainda, em médio e longo prazo, para articular resultados na formulação de ações, financiamentos e políticas globais que alcancem de fato as bases, a partir de suas perspectivas e de modo adequado às suas prerrogativas socioculturais.

Numa Conferência Climática em que um dos assuntos mais polêmicos é a regulamentação dos mercados de carbono, cujos encaminhamentos podem afetar e pressionar ainda mais os territórios indígenas da Amazônia, fica evidente a necessidade de participação e incidência indígena qualificada para os debates mais técnicos.

A delegação da RCA na COP 26, que acaba de chegar em Londres/Inglaterra, é formada por duas lideranças indígenas experientes em incidência internacional: Sinéia do Vale, do povo Wapichana, coordenadora de gestão territorial e ambiental do Conselho Indígena de Roraima-CIR, que tem participado desde 2010 das Conferências do Clima, e Maurício Y’ekuana, diretor da Hutukara Associação Yanomami, que também acumula experiência de incidência em distintos Órgãos da ONU. Esta delegação conta com o apoio técnico e logístico da Secretaria Executiva da RCA para esta participação na COP26 e com o financiamento da Fundação Rainforest da Noruega, da Fastenopfer da Suíça e o apoio CAFOD.

Junto com Sinéia e Maurício viaja para Glasgow a jovem advogada indígena Jéssica Nascimento, também do povo Wapichana, gestora ambiental do CIR, que, com o apoio adicional da Nia Tero, compõe a delegação da RCA na COP 26.

O grupo somará esforços de representação e incidência na COP26 junto às outras lideranças indígenas apoiadas pela COIAB e APIB, configurando uma delegação indígena do Brasil com cerca de 40 pessoas. Destas, a RCA apoia, ainda, a participação na COP26 de mais duas mulheres do movimento indígena do Brasil, Alessandra Munduruku, da delegação da COIAB, e Célia Xakriabá, da APIB.

Formação “Povos Indígenas rumo à COP 26”

Num momento de agravamento das ameaças e pressões sobre os territórios indígenas e seus defensores, a maior delegação indígena do Brasil prevista nas Conferências do Clima tem se preparado para esta participação na COP26. Nos meses de setembro e outubro de 2021, a RCA realizou, em parceria com a APIB, COIAB, OPAN e Uma Gota no Oceano, a formação “Povos Indígenas rumo à COP26”, que contou com o apoio da Fundação Rainforest da Noruega, Fastenopfer da Suíça e Fundação Ford do Brasil. Para preparar as lideranças indígenas para a COP26 e para a VI Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP) na UNFCCC, foram realizadas seis sessões virtuais com a participação de 12 renomados especialistas em Clima, indígenas e não-indígenas, que trataram das pautas mais relevantes em jogo nesta Conferência do Clima, assim como a própria estrutura de funcionamento das COPs e os espaços de incidência dos povos indígenas. Com a moderação de lideranças indígenas também especializadas no tema – Sonia Guajajara/APIB, Sineia Wapichana/CIR, Élcio Manchineri/COIAB, Dinamam Tuxá/APOINME e Francisca Arara/IMC Acre – cada sessão teve duração de duas horas e meia em que lideranças indígenas, quilombolas, de comunidades tradicionais, junto com os representantes de organizações parceiras puderam alinhar os conhecimentos sobre incidência internacional em Clima, e discutir sobre os temas em destaque.

Com enfoque nos processos de participação indígena na UNFCCC, a Formação contou, pela primeira vez no contexto dos povos indígenas do Brasil, com a participação especial de cinco convidados internacionais, que são notórios especialistas do Fórum Internacional para Mudanças do Clima. Entre eles, seu co-presidente Juan Carlos Jintiach/COICA e a co-presidente indígena do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma, Hindou Ibrahim, do Chad/África. Dennis Maierena, da Nicarágua, compartilhou o contexto histórico de incidência dos povos indígenas da criação da UNFCCC até a estruturação do Caucus Indígena e da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas, Johnson Cerda/Conservação Internacional provocou um debate sobre a regulamentação do Artigo 6 pela perspectiva dos povos indígenas na garantia de direitos e Eileen Mairena apresentou um painel muito esclarecedor sobre os mecanismos de financiamento climático para povos indígenas e o Fundo Verde do Clima.

Dentre os especialistas não-indígenas convidados estiveram presentes o Prof. Paulo Artaxo do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), Márcio Astrini, Secretário Executivo do Observatório do Clima e Fernanda Carvalho, gerente global de políticas climáticas da WWF Internacional.

Um mundo com febre

A Conferência Mundial das Nações Unidas para as Mudanças do Clima deste ano, COP 26, terá início oficial no dia 31 de outubro de 2021, na cidade de Glasgow, Escócia.

Num cenário mundial ainda pandêmico e com evidente aceleração dos eventos ambientais extremos provocados pelo aquecimento global, que demostram de forma trágica o insucesso até agora dos países membros da Convenção de Clima da ONU na implementação do Acordo de Paris (COP21/Paris,2015), a COP26 tem como meta prioritária que os Estados estabeleçam compromissos mais ambiciosos voltados às ações emergenciais para conter o aumento da temperatura do planeta.

Um mundo em colapso climático afeta a todos e, portanto, é um problema de todos. Deste modo, o Acordo de Paris destaca que todos devem estar envolvidos na solução desta crise climática global.

Se os povos indígenas e as comunidades locais nada têm a ver com as causas do aquecimento global desenfreado, pelo contrário, são os grupos que, dependendo da região do planeta, já enfrentam previamente os maiores impactos. Os territórios onde vivem tradicionalmente são as regiões onde se verificam as maiores florestas e biomas preservados do mundo.  E isso não é por acaso. Mas se deve aos seus distintos saberes e práticas tradicionais e suas concepções próprias de vida.

Até o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, em sua sigla em inglês), Fórum mais relevante de cientistas mundiais, cujos relatórios embasam tecnicamente as negociações da Convenção Quadro da ONU para Mudanças do Clima (UNFCCC), já reconheceu que a floresta protegida e terras indígenas demarcadas são barreiras contra crise climática (Relatório Especial sobre fluxos de carbono relacionados a ecossistemas terrestres, 2019).

Comunidades que vivem em pequenas ilhas que estão desaparecendo com o aumento do nível do mar, outras que habitam territórios cujos lagos e rios secaram e são obrigadas a migrar em situação de alta vulnerabilidade, grupos de regiões polares em franco degelo, ou aqueles acometidos por incêndios incontroláveis, entre outros, já vivenciam na pele os impactos das mudanças do clima, tendo a sua sobrevivência física e cultural ameaça. Estes grupos têm muito a ensinar sobre preservação, resiliência e iniciativas de adaptação.

O texto do acordo climático vigente, o Acordo de Paris, apresenta 6 referências aos povos indígenas, com destaque para a garantia de seus direitos, e, finalmente, reconhece a necessidade de fortalecer os conhecimentos, as tecnologias, as práticas e os saberes dos povos indígenas e comunidades locais na elaboração de respostas para as mudanças do clima.

Este Acordo traz ainda uma novidade importante: a estruturação de uma Plataforma para o intercâmbio de conhecimentos, a ‘Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas” (LCIPP, sigla em inglês).

Antes da abertura oficial da COP26 ocorrerá, de 28 a 30 de outubro, a VI Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador desta Plataforma, órgão da UNFCCC instituído de modo inédito, com representação equânime entre representantes do países e dos povos indígenas das 7 sub-regiões socioculturais do mundo, para implementação desta Plataforma.

A previsão de pauta para esta reunião é a entrega dos resultados do Primeiro Plano de Trabalho, com 12 atividades iniciais para desenvolver a Plataforma no âmbito da Convenção do Clima (UNFCCC). As atividades deste Plano de Trabalho foram realizadas, apesar das limitações impostas pela pandemia de COVID19, de 2019 a 2021, por este órgão e com a colaboração do Fórum Internacional de Povos indígenas para Mudanças do Clima e demais steakeholders (partes envolvidas). Espera-se que ao longo das negociações previstas para a COP26, seja pactuado e aprovado um novo Plano Trienal de Trabalho para dar continuidade ao processo de implementação da Plataforma na UNFCCC.

A RCA, através da participação dos membros de suas organizações, tem participado e incidido nesta pauta da Plataforma e seguirá com esta agenda durante a COP26.

Sinéia do Vale/CIR, Viseni Waiãpi/Apina, Valéria Paye/COAIB, junto com Luis Donisete Grupioni e Patricia Zuppi, da Secretaria Executiva da RCA, na I Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas, na sede da UNFCCC, em Bonn/Alemanha, junho de 2019.

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Rede de Cooperação Amazônica

A RCA tem como missão promover a cooperação e troca de conhecimentos, saberes, experiências e capacidades entre as organizações indígenas e indigenistas que a compõem, para fortalecer a autonomia e ampliar a sustentabilidade e bem estar dos povos indígenas no Brasil.