RCA lança novo livro sobre Protocolos de Consulta durante o ATL 2022

Texto Lucas Gomes/RCA

A Rede de Cooperação Amazônica (RCA) lançou, no último dia 12 de abril, durante as atividades do Acampamento Terra Livre 2022 (ATL 2022) seu novo livro sobre Protocolos de Consulta Prévia.

Intitulado Protocolos Autônomos de Consulta e Consentimento: um olhar sobre o Brasil, Belize, Canadá e Colômbia, o livro resulta de um estudo comparativo sobre a iniciativa de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais destes quatro países em elaborarem protocolos de consulta e indicarem um caminho para o diálogo com os Estados Nacionais quando medidas administrativas e legislativas possam afetar seus direitos.

Num exercício de autodeterminação, esses povos sistematizaram regras, princípios e procedimentos relacionados ao modo como consideram adequados a realização de processos de consulta, visando a obtenção de seu consentimento.

O livro apresenta reflexões sobre os desafios presentes na elaboração e implementação de protocolos autônomos de consulta e consentimento prévio, livre e informado, para a efetivação de seu direito de participação em decisões públicas que lhes afetem diretamente.

O lançamento do livro ocorreu na Tenda da Federação dos Povos Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT) no Acampamento Terra Livre (ATL) e contou com a participação de várias lideranças indígenas da Amazônia brasileira, numa grande roda de conversa em que puderam relatar experiências sobre a elaboração e utilização de seus protocolos de consulta, bem como sobre experiências negativas de empreendimentos que afetaram seus territórios sem que houvesse processos de consulta.

O lançamento do livro contou com a mediação de Biviany Garzón, coautora do livro e advogada do Instituto Socioambiental (ISA), e de Patricia Zuppi, assessora da secretaria executiva da RCA. Uma breve apresentação do conteúdo do livro foi feita por Biviany, que salientou que a proposta do livro era trazer experiências de vários países do continente americano que inspirassem outros povos indígenas do Brasil que ainda não elaboram seus próprios protocolos. Ela afirmou que os protocolos autônomos são um exercício do “direito a permanecer e a continuar a ser indígena, para poder fazer as suas escolhas do presente e do futuro”.

Em seguida foi aberta uma roda de conversa em que diferentes lideranças indígenas presentes no evento compartilharam as suas experiências na elaboração de protocolos de consulta e consentimento. Entre os povos que elaboraram em anos recentes seus próprios protocolos, falaram lideranças dos povos Wajãpi e Karipuna do Estado do Amapá, Ye’kwana da Terra Indígena Yanomami e Kaiabi, Suiá, Yawalapiti e Waurá da Terra Indígena do Xingu, no Estado de Mato Grosso.

O Agente Socioambiental Indígena Sakyry Waiãpi apresentando o Protocolo de Consulta e Consentimento Wajãpi
Amairé Kaiabi Suiá, Coordenadora de Território da ATIX Mulher, que participou dos debates no processo de construção do Protocolo do Xingu
Maurício Ye’kwana, diretor da Hutukara Associação Yanomami, compartilha como foi a elaboração do Protocolo Yanomami e Yek’wana

Simbolicamente, o primeiro depoimento compartilhado foi de lideranças do povo Wajãpi, que foi o primeiro povo indígena do Brasil a elaborar, em 2014, seu protocolo de consulta.  As lideranças Wajãpi ressaltaram a importância que conferiu a realização deste protocolo no contexto de constantes ameaças e iniciativas governamentais que não consultam os povos indígenas e que agridem seu território. João Paulo Wajãpi, representante da coordenação da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP), explicou que o protocolo é necessário porque as propostas do governo podem “afetar o modo de vida dos Wajãpi”. O Agente Socioambiental Wajãpi, Sakyry Waiãpi, esclareceu que através de seu Protocolo os Wajãpi indicam como organizam seu sistema de governança e as formas de representação dos cinco subgrupos Wajãpi que vivem na Terra Indígena Wajãpi, no Amapá. De acordo com o Protocolo de Consulta e Consentimento Wajãpi, um único cacique não pode responder por um processo de consulta que envolve seu território. Mas as consultas devem ser realizadas conforme as estruturas e etapas indicadas neste documento.

Já as lideranças do Xingu ressaltaram os desafios trazidos pela realização de um protocolo único que abrange um território no qual convivem 17 povos de línguas e etnias diferentes.  Um longo processo de reuniões locais foi realizado até que os povos do Xingu pudessem estabelecer diretrizes comuns indicadas em seu Protocolo para a realização de consultas no Território Indígena do Xingu.

Maurício Ye’kwana, diretor da Hutukara Associação Yanomami, mencionou a importância jurídica de ter um protocolo de consulta prévia no contexto atual de ameaças, invasão e ataques de garimpeiros. Maurício, destacou, também, o caráter complexo que foi a realização de um protocolo de consulta prévia na maior terra indígena do país, a Terra Indígena Yanomami, com mais de 9.600.000 de hectares. Para enfrentar esses desafios e coordenar as ações e tomadas de decisão numa terra tão grande, o líder Ye’kwana explicou que foi criado o Fórum de Lideranças Indígenas Yanomami e Ye’kwana.

Luene Karipuna, representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP), explicou que o Protocolo de Consulta dos Povos do Oiapoque, reconhecido pelo Ministério Público Federal do Amapá, deixa claro que uma reunião isolada não pode ser considerada como consulta. O Protocolo foi elaborado conjuntamente pelos quatro povos que vivem nas Terras Indígenas da região e indica a necessidade de realização de um processo que envolve o diálogo e a criação de consensos através da participação ampliada das comunidades, organizações indígenas e do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO). Como exemplo de aplicação do Protocolo, Luene mencionou a situação atual de proposta de instalação do lixão do município de Oiapoque para as proximidades das Terras Indígenas, podendo afetar as cabeceiras dos três rios que banham seus territórios. O processo foi paralisado pelo MPF, exigindo a realização de um processo de consulta, de acordo com o Protocolo.

Amairé Kaiabi Suia, que é coordenadora de Território da ATIX Mulher e participou do processo de discussão e construção do Protocolo do Xingu, lembrou a relação entre protocolos de consulta e planos de gestão territorial e ambiental, dois instrumentos que contribuem para a gestão socioambiental de seus territórios.

Após as apresentações das lideranças de povos que já elaboraram seus Protocolos, representantes de outros povos participantes da roda de conversa, interessados pelo assunto, fizeram várias perguntas a respeito dos passos a seguir para a realização de seus próprios protocolos e dos desafios para implementá-los na prática.

Edilene Barbosa, representante da OPIAC, Biviany Garzon do ISA, coautora do livro, e Dalson Karipuna da APOIANP

A representante da Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC), Edilene Barbosa, falou da necessidade de instaurar um diálogo dentro da aldeia antes da aceitação de um projeto proposto pelo governo, mencionando que protocolos permitem entender com clareza tanto o lado positivo quanto negativo desses projetos, organizando a comunidade para discutir e tomar uma posição em conjunto perante o governo.

A roda de conversa foi concluída por Patricia Zuppi, que salientou a importância dessas conversas para a troca e compartilhamento de experiências e para fortalecimento das iniciativas indígenas de autonomia e gestão territorial.

Ianukula Kaiabi Suia (ao centro), presidente da ATIX, com representantes do Xingu que participaram do lançamento do livro

Clique aqui para acessar a versão digital do livro Protocolos Autônomos de Consulta e Consentimento: um olhar sobre o Brasil, Belize, Canadá e Colômbia, publicado pela RCA em 2022. O livro é de autoria de Priscylla Joca, Biviany Rojas Garzón, Liana Lima da Silva, Rodrigo Magalhães de Oliveira e Luís Donisete Benzi Grupioni. Com capa de Silia Moan e Arte de Renata Alves.

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