Da amazônia para o mundo: Indígenas de cinco estados da Amazônia participam de seminário sobre incidência internacional sobre clima.

Texto de Andreia Fanzeres / OPAN

A imagem das atuais 197 flâmulas de países membros das Nações Unidas pertencentes à Convenção Quadro sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês) suscitaram uma pergunta provocadora numa turma de indígenas reunida em São Paulo na última semana de maio. “Cadê a bandeira do meu povo?”. Afinal de contas, a última Conferência do Clima realizada na cidade escocesa de Glasgow (COP26) foi marcada não apenas por uma presença indígena maciça, mas também pelo reconhecimento público do papel central do modo de vida desses grupos e de seus territórios na garantia do equilíbrio climático global.

Apesar de recentes avanços, o caminho para que os povos indígenas no mundo adquiram um maior protagonismo nas negociações sobre clima ainda é desafiador. E para compreender as oportunidades de incidência internacional nove lideranças de cinco estados da Amazônia engajaram-se em um seminário promovido pela Rede de Cooperação Amazônica (RCA) e pela Operação Amazônia Nativa (OPAN).

Num grupo pequeno, foi possível discutir sobre a crise climática e o regime jurídico internacional com a colaboração de Stela Hershmann, do Observatório do Clima (OC). Ela também situou os participantes sobre o que avançou e o que emperrou na última COP, apontando para os próximos passos do processo de negociação na Conferência de Bonn, chamada de etapa interseccional, que acontecerá na primeira semana de junho, na Alemanha.

“Para mim, foi muito importante entender o que significou essa ‘pedalada climática’[1] que o governo brasileiro fez na COP26”, disse Luene Karipuna. A ‘pedalada climática’ foi uma estratégia em que o Brasil prometeu compromissos climáticos supostamente mais ousados, mas que na prática representariam uma regressão na ambição das metas do país na Convenção do Clima, resultando numa emissão adicional de 400 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e) em relação à meta nacional anunciada em 2015 por Dilma Rousseff. “Infelizmente essa informação sobre a pedalada não chega para as comunidades”, comentou Luene.

Nove lideranças de cinco estados da Amazônia engajaram-se em um seminário promovido pela RCA e pela OPAN. Foto: Patrícia Zuppi/RCA

Como comunicadora indígena, a jovem lembrou a avalanche de fake news que aterrissam nos territórios e que cada vez mais é importante apostar nos mecanismos de cada povo na transmissão de conhecimento entre gerações para conseguir trabalhar tecnicamente a pauta de clima. “A gente passa informação através das nossas histórias, como falou nosso parente Tapayuna”.

Yaiku Suya Tapayuna, que participará pela primeira vez de uma Conferência da UNFCCC em junho, compartilhou com outros representantes indígenas do Acre, de Mato Grosso, do Amazonas, de Roraima e do Amapá a luta pelo reconhecimento de seu território ancestral. Contou também histórias dos mais antigos que têm a ver com o modo como os diversos povos indígenas se orientam pela natureza e percebem os sinais de que ela está mudando rapidamente. “Quando eu era criança, minha mãe dizia que era para eu não brincar de pegar as borboletas porque elas fazem um trabalho importante. Uma borboleta é leve e frágil, mas várias juntas constroem uma forquilha para segurar o céu e não o deixar cair na cabeça da gente. Mas hoje, tem bem menos borboletas do que antes”, relatou.

Para a experiente Sineia do Vale Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima (CIR), que há quase uma década acompanha de perto a agenda de clima internacional representando o Brasil, a compreensão sobre a ciência é a base para levar os povos indígenas a uma condição de paridade no debate sobre clima. “Se você não entende tecnicamente o que os cientistas estão dizendo, não é possível fazer um diálogo com o nosso conhecimento tradicional”, afirma.

Para ilustrar como essa relação entre as iniciativas locais interagem com a discussão climática global, o CIR foi convidado a expor sua experiência nos trabalhos ligados à mitigação e adaptação climática durante o seminário. “Temos que chegar até as bases e falar claro com elas. O aumento da temperatura e a luta para segurarmos o aquecimento a 1,5 grau e meio acima dos níveis pré-industriais nada mais é do que cuidarmos da febre da Terra. Temos que combater isso”, exemplifica a jovem advogada do CIR, Jessica Wapichana.

Ela e Sineia demonstraram, com diversos exemplos, que o segredo tem sido trabalhar arduamente na implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI), que neste mês de junho completa 10 anos no Brasil, imprimindo nessas ações um enfoque estratégico na questão climática e lutando para que cada vez mais recursos do financiamento climático sirvam à implantação dos planos de gestão nas terras indígenas.

As iniciativas de apoio a bancos de sementes tradicionais, ao registro da perspectiva feminina sobre as mudanças climáticas, o investimento no trabalho das brigadas indígenas num ambiente mais quente e extremo e o programa de energia sustentável para comunidades de Roraima foram outros tantos exemplos de como os trabalhos locais se conectam diretamente com os temas discutidos nas altas esferas da UNFCCC, como a recém criada Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP, na sigla em inglês). Esse espaço, que tem como pilares o apoio à troca e valorização de conhecimentos tradicionais, a construção de capacidades de envolvimento e a facilitação de políticas e ações sobre mudanças climáticas, será o foco de atenção do grupo de indígenas do Brasil na Conferência de Bonn.

Na preparação para acompanhar esse processo, os participantes do seminário revisaram algumas das recentes conquistas do movimento indígena internacional na consolidação de espaços de discussão e tomada de decisão no âmbito das Nações Unidas, aprimorando-os e tornando-os cada vez mais democráticos e efetivos. Além da plataforma, muito se falou sobre o Caucus Indígena, formado por representantes indígenas do mundo inteiro que discutem e implementam estratégias de participação ativa na UNFCCC. “O mais importante é fortalecer os povos indígenas com oportunidades de formação para estarmos mais nesses espaços de incidência”, avisa Sineia. Nesses espaços em que se discutem profunda e tecnicamente temas duros como financiamento climático, agenda de adaptação e outros, é preciso investir para incidir, como continua Sineia. “Ou você sabe ou vai ser engolido pelas agendas”.

De Mato Grosso, Eliane Xunakalo e Kaianaku Kamaiurá, assessoras da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) trouxeram bons casos sobre o que já sabem e o que ainda é lacuna para aprimorar a incidência na agenda de clima nacional e internacionalmente. Segundo Eliane, todo o processo de inserção dos indígenas de Mato Grosso no Programa Redd For Early Movers (REM-MT) ensinou sobre negociação dessa agenda mais técnica sobre clima. “Em Mato Grosso, o estado costuma definir uma meta e não conversa conosco para construir as políticas públicas, mas para atrair mercados verdes precisa dos povos indígenas”, relata. “A gente não participa das discussões sobre mercado de carbono. Precisamos aprender mais sobre isso, pois o que temos visto cada vez mais são esses cowboys do carbono pelas aldeias”, conta Kaianaku.

Para Eldo Shanenawa, da Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC), é preciso equilibrar o papel e os investimentos destinados aos povos indígenas para que sua contribuição ajude realmente a enfrentar o aquecimento do planeta. “Quem faz menos [pelo clima] ganha mais. Quem faz mais, ganha menos. Nós somos vida. E salvamos vida pela sabedoria, conhecimento, vivência e cultura”, diz Eldo. “Nosso desafio maior é tecer conjuntamente uma linha estratégica que parta das realidades, dos saberes, das necessidades e expectativas das comunidades e organizações de base da Amazônia, com ênfase no protagonismo indígena. É favorecer que suas vozes, iniciativas e alertas alcancem as instâncias de negociação e decisão sobre políticas, acordos e financiamentos internacionais de clima”, explica Patrícia Zuppi, da RCA.      

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Rede de Cooperação Amazônica

A RCA tem como missão promover a cooperação e troca de conhecimentos, saberes, experiências e capacidades entre as organizações indígenas e indigenistas que a compõem, para fortalecer a autonomia e ampliar a sustentabilidade e bem estar dos povos indígenas no Brasil.