Proteger os modos de vida para equilibrar o clima

Evento paralelo na COP28 valoriza iniciativas locais na construção e utilização de instrumentos de gestão territorial e defesa de direitos.

Por Andreia Fanzeres/OPAN

Mensagens dos territórios indígenas de Roraima. Foto: Andreia Fanzeres/OPAN

Dubai, Emirados Árabes Unidos – Cumprindo com seu compromisso de levar para a COP28 a visão de futuro construída pelos povos indígenas de Roraima, parentes e parceiros, Sineia Wapichana e a equipe do Conselho Indígena de Roraima (CIR) abriram nesta segunda-feira, 4 de dezembro, o longo tecido com desenhos e mensagens dos territórios, feitas durante o intercâmbio de experiências locais sobre mudanças climáticas, realizado na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em outubro de 2023. Foi durante o evento paralelo intitulado “No território: usando a gestão da terra e os direitos indígenas para enfrentar as mudanças climáticas no Brasil”, moderado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) e pela Rede de Cooperação Amazônica (RCA), com o apoio de diversas organizações indígenas da Amazônia e da Rede Juruena Vivo.

No evento, foram levantados casos relevantes sobre como planos de vida, de gestão territorial, de enfrentamento de mudanças climáticas, protocolos de consulta, e fundos indígenas têm sido utilizados para garantir o bem-viver das comunidades e, consequentemente, o equilíbrio climático no Brasil. “Implementar os planos de vida é implementar sonhos. Quanto custa fazer isso? O que é mensurável e o que não é?”, questionou Sineia, coordenadora nacional do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC).

Sineia Wapichana, ao microfone, ao lado de Luene Karipuna e Kleber Karipuna (à esquerda) e Marta Tipuici, Ianukula Kaiabi Suiá e Josimara Baré (à direita). Foto: Luis Donisete/RCA.

Exemplos sobre os desafios para que instrumentos sejam feitos e saiam do papel foram ressaltados nas falas de Luene Karipuna, da Associação de Mulheres Indígenas de Mutirão (AMIM), do Amapá, no contexto das pressões para exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. Segundo ela, já há bastante especulação e podem ser percebidos impactos concretos na saúde e nas sociedades indígenas. Pioneiros na elaboração dos primeiros protocolos de consulta e planos de vida, os povos do Amapá lutam para fazer valer o direito de veto a projetos grandiosos e perigosos ao meio ambiente e à cultura das comunidades num momento em que as mudanças climáticas já vêm agravando sua vulnerabilidade. “Meu povo está sem comer farinha de mandioca há dois anos, sem fazer biju, tacacá tradicional. Temos que ter poder sobre nossas vidas”, clamou.

Na mesma linha, Marta Tipuici, do povo Manoki, abordou as pressões dos cerca de 180 empreendimentos hidrelétricos na bacia do rio Juruena, em Mato Grosso, sobre os territórios indígenas, destacando que as pequenas usinas agem sem transparência, sem estudos robustos e violando o protocolo de consulta e o plano de gestão territorial de seu povo. “Não vemos motivos para mais construção de hidrelétricas para geração de energia que vai beneficiar as mesmas pessoas e causar prejuízos ao nosso bem-viver”, apontou Marta Tipuici. Na fala de Ianukula Kaiabi Suiá, presidente da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), foi ressaltado um amplo processo em curso de consulta aos povos do Xingu sobre a Ferrovia Integração Centro Oeste (FICO) e a BR 242. Como completou Kleber Karipuna, os protocolos só conseguem ser implementados na base de muita pressão sobre os governos.

Kleber Karipuna, Foto: Luis Donisete/RCA.

Outra experiência inspiradora é o Fundo Indígena do rio Negro (FIRN), apresentado por sua coordenadora, Josimara Baré, criado pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) para implementar os planos de gestão dos indígenas da região. Segundo ela, o primeiro edital, de 2021, resultou no apoio direto de quase um milhão de reais a 15 projetos, sendo cinco de cultura, três de segurança alimentar e sete de economia sustentável indígena, beneficiando mais de oito mil indígenas. “Apoiar os projetos de bem-viver é lutar contra as mudanças climáticas porque somos nós os guardiões da floresta”, disse Josimara. Para Sineia Wapichana, na discussão sobre financiamento climático e acesso direto de recursos aos povos indígenas, uma das mais importantes atualmente, esta é uma experiência promissora.

“Acredito que os fundos indígenas são a solução para a resposta rápida que os povos indígenas necessitam para lidar com os efeitos das mudanças do clima nos territórios”

SINEIA WAPICHANA

De acordo com Patrícia Zuppi, da RCA, que vem apoiando desde 2017 representantes indígenas das organizações de base da rede nos processos de incidência internacional sobre clima, essas experiências associadas à Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI) precisam ser valorizadas para que seus resultados possam influenciar as negociações. “Nosso esforço tem sido de apoiar os povos indígenas nesses espaços para que assumam seu lugar de protagonismo, tanto fora, como dentro das instâncias de decisão oficiais da Convenção do Clima por meio do trabalho de articulação e capacitação principalmente”, comenta Patrícia. Além disso, este é um trabalho contínuo e que com a COP30 poderá ter alcances ainda mais amplos. “O processo de incidência em clima passa pelo fortalecimento de instâncias nacionais, especialmente agora que está sendo retomada a Câmara Técnica de Mudanças Climáticas do Comitê Gestor da PNGATI e o CIMC”, lembra.

Imagem da exibição virtual do evento.

“A maior estratégia de combater as mudanças climáticas é garantir a demarcação de terras indígenas, assim como da agenda de criação de unidades de conservação e proteção dos territórios. Efetivar as políticas públicas para os povos indígenas é a principal solução para o enfrentamento da crise climática como um todo e essa discussão está totalmente conectada com a PNGATI”, considera Kleber Karipuna, da APIB.

A discussão “No território: usando a gestão da terra e os direitos indígenas para enfrentar as mudanças climáticas no Brasil” foi uma realização do Conselho Indígena de Roraima (CIR), da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), da Associação de Mulheres Indígenas de Mutirão (AMIM), da Rede Juruena Vivo e da Federação dos Povos Indígenas do Rio Negro (FOIRN), com organização da Rede de Cooperação Amazônica (RCA) e da Operação Amazônia Nativa (OPAN), apoio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Instituto de Pesquisa e Formação Indígena Iepé, Instituto Clima e Sociedade iCS, Fundação Rainforest Norway, Fastenaktion e Misereor.

Mirando acima do muro

Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas da UNFCCC busca novas ideias para impulsionar engajamento de governos em meio a críticas sobre sua efetividade nas negociações sobre clima.

Por Andreia Fanzeres/OPAN

Décima Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP) – Acervo OPAN

Dubai, Emirados Árabes Unidos – Penas, cocares, maracás e coloridos adereços se destacaram no meio das avenidas de pedestres lotadas da Expo City, em Dubai, mais do que em qualquer outra Conferência do Clima. Dos mais de 100 mil participantes, segundo informações da organização, aproximadamente três mil delegados brasileiros e, desses, estima-se que mais de uma centena indígenas. Parte desta delegação chegou uma semana mais cedo, ainda em novembro, para participar da 10ª Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP) da Convenção do Clima (UNFCCC). O encontro discutiu novas modalidades, abordagens e atividades com o intuito de aprimorar este órgão, criado para valorizar e fortalecer a atuação de povos indígenas e comunidades locais nas negociações, em meio a um clima de avaliação sobre sua efetividade.

Criada em 2015 com uma estrutura única entre os órgãos da UNFCCC, a plataforma representa um passo importante para o reconhecimento dos povos indígenas na governança climática, funcionando através de um grupo de trabalho facilitador (FWG) que tem sete cadeiras para povos indígenas e outras sete para os governos. Os indígenas alcançaram igualdade de condições para atuação nesta instância podendo assessorar tecnicamente as Partes da Convenção. Mas seguem como observadores, e isso ainda é pouco.

Apesar dos avanços com relação à metodologia das reuniões da plataforma, na intenção de favorecer discussões mais aprofundadas em pequenos grupos e encaminhamento de sugestões por escrito, além dos esforços no sentido de oferecer tradução para a língua portuguesa devido ao número cada vez maior de indígenas brasileiros no últimas encontros, pesam críticas sobre o formato das reuniões, insuficientes para absorver as contribuições dos povos indígenas numa abordagem culturalmente adaptada. 

A partir de uma decisão tomada na COP26, em Glasgow, o grupo de trabalho criado para implementar a plataforma passará por uma revisão em 2024 pelas Partes da Convenção. Ela será feita a partir da análise de submissões dos observadores, cujo prazo se encerrou em 30 de novembro, de um relatório que será entregue na Conferência de Bonn, em junho do ano que vem, e da apresentação do terceiro plano de trabalho para a plataforma, que em Dubai recebeu sugestões dos participantes. 

Para que os povos indígenas consigam através da plataforma incidir nos trabalhos ligados à Meta Global de Adaptação (GGA), no Balanço Global (GST), no tema de financiamento, incluindo o fundo de perdas e danos, planos nacionais de adaptação, transição justa e outros assuntos, foram sugeridas novas modalidades de trabalho no seu escopo, como articulação com plataformas regionais ou globais, parcerias com o setor privado, adoção de forças-tarefas ou comitês para interação com outros órgãos de dentro e de fora da UNFCCC, realização de produtos específicos para capacitação e estratégia de disseminação desses produtos. 

Pequenos grupos contribuiram com discussões mais aprofundadas – Foto: Acervo OPAN

Destacou-se, também, a importância da manutenção de reuniões regionais e birregionais, o encontro anual de detentores de conhecimentos focando no compartilhamento de saberes intergeracional, as próprias sessões semestrais do FWG, e diálogos entre Partes e povos indígenas, o que foi considerado promissor. Em janeiro de 2024, os membros da plataforma vão se reunir para lapidar as propostas recebidas e sistematizar as ações que constarão no plano de trabalho da LCIPP de 2025 a 2027.

Para Sineia Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e coordenadora nacional do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC), novas atividades da plataforma são necessárias para que a voz dos povos indígenas possa alcançar as demais instâncias da UNFCCC. “A intenção é entender como os povos podem se engajar melhor nas discussões da plataforma com seus conhecimentos tradicionais e como ela deve reportar isso”, comenta.

Sineia Wapichana (com o microfone) na COP 28 – Acervo OPAN

Diálogos com instâncias de dentro e fora da Convenção, como com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), são atividades recorrentes da plataforma ao longo de seus dois primeiros ciclos de implementação, desde 2019. Mas, até agora, não renderam colaborações efetivas.

“Gostaríamos de expressar para esses outros órgãos que são convidados a falar na plataforma que tenhamos espaço para os povos indígenas que são pesquisadores, vivenciam e são doutores natos na questão do clima. Falaram que estão começando a preparar o próximo relatório do IPCCC. Há caminhos para submissão de estudos que valorizam a nossa visão de mundo”

 SINEIA WAPICHANA, DO CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA (CIR) 

Em Dubai, a co-presidente do Comitê de Adaptação da UNFCCC, Mariam Allam, do Egito, conversou com membros e observadores da plataforma. Ela reforçou seu compromisso em colaborar com a LCIPP, reconhecendo a relevância e valor dos sistemas de conhecimento dos povos indígenas para a adaptação às mudanças climáticas. Na prática, a colaboração com o Comitê de Adaptação através de ações específicas saiu como encaminhamento formal do encontro, válido para o plano de trabalho atual da plataforma e para o próximo.

Avaliação independente

Na esteira deste processo de aprimoramento, o Grupo de Trabalho Internacional de Assuntos Indígenas (IWGIA), uma organização global de direitos humanos com 55 anos de atuação sediada na Dinamarca, concluiu o estudo “Consolidando os direitos dos povos indígenas na governança climática através da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas”, aportando objetivamente os progressos e as limitações desta instância na visão de membros, ex-membros, Estados e observadores.

Participantes da 10ª reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma – Foto: Acervo OPAN

O estudo já nasce como um material de referência porque resgata o recente histórico de construção da plataforma, explica como tem se dado o processo de operacionalização da instância, detalha as atividades dos dois primeiros planos de trabalho, avalia o mandato, as limitações da plataforma, o papel do secretariado da UNFCCC em sua condução e o engajamento dos governos. E, neste quesito, a plataforma decepciona. 

Parte do problema está no desinteresse dos governos em acompanhar esta agenda, que acaba ficando restrita a países historicamente mais engajados, resultando em maiores dificuldades para os pleitos dos povos indígenas surtirem efeito nas negociações. Segundo os participantes do estudo, o envolvimento dos governos tem sido passivo em grande medida. “Seu silêncio reforça a falta de vontade política dos países para encaminhar assuntos que motivam as demandas de participação dos povos indígenas, como a discussão sobre direitos, incluindo autonomia ou direito à terra, que são cruciais para lidar com a vulnerabilidade às mudanças climáticas”, afirma o relatório. Para Marta Tipuici, do povo Manoki, que acompanhou a reunião do FWG pela primeira vez, deu para notar claramente que os problemas não estão só na esfera da acessibilidade.

“Podemos contribuir enquanto sociedade civil, mas se não nos apropriarmos direito deste espaço teremos dificuldades, tanto quanto a própria plataforma tem dificuldade para ser entendida pelos governos”.

MARTA TIPUICI, DO POVO MANOKI

Outro ponto sensível é a não participação de comunidades locais na plataforma e o movimento de abolir a utilização do termo “comunidades locais” associado e conjuntamente aos povos indígenas. Nos últimos encontros da plataforma, este tema vem gerando debates e posicionamentos, inclusive, favoráveis à reformulação da plataforma no âmbito de seu processo de revisão, tornando-se um espaço apenas para indígenas.

O estudo da IWGIA ainda analisa o impacto da plataforma no nível da Convenção, nacional e local, traçando recomendações, que na verdade são reafirmações dos pleitos indígenas em todas as instâncias, como o seu reconhecimento como detentores de conhecimento, respeito à autodeterminação, a necessidade de operacionalização da plataforma como um propulsor do fortalecimento de ações e governança climática visando mudanças estruturais mais sólidas, o engajamento com os planos de trabalho da plataforma para garantir coerência com as políticas de clima, entre outras.

Sineia Wapichana (de pé diante da mesa) será a próxima co-presidenta pela América Latina e Caribe do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (Caucus Indígena)

Apesar das questões levantadas pela IWGIA, com mais de dez anos de experiência acompanhando o Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (Caucus Indígena) e na qualidade de indicada para a próxima co-presidência pela América Latina e Caribe, Sineia Wapichana também deixa uma recomendação concreta para que cada vez mais representantes brasileiros na plataforma consigam fazer a diferença. 

“Para incidirmos melhor, temos que aprender sobre a dinâmica e a metodologia para dentro desses espaços técnicos. Às vezes queremos levar muito de nós das bases. Isso não é proibido, mas temos que saber como fazer isso no nível global. Quando falamos para dentro, as pessoas não dão muito ouvidos. Então precisamos aprender essa metodologia do técnico, de como estar nesses espaços, pra estudarmos uma forma de trazer esse nosso conhecimento, não perdendo esse nível de mundo, do pequeno para o grande. Se falamos muito para nós mesmos, não conseguimos incidir em outros países. O importante é que nos juntemos com os povos do mundo todo, pra que sejamos uma voz só”, disse.

* O acompanhamento da LCIPP/UNFCCC é fruto de uma parceria entre a OPAN e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA) com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e Fastenaktion.

Na COP 28, Marta Tipuici questiona investimento em hidrelétricas como alternativa energética

Chamados de energia limpa, os empreendimentos hidrelétricos são planejados sem consulta às comunidades por eles afetadas

Por Andreia Fanzeres/OPAN

Luene Karipuna/AMIM, Tipuici Manoki/Juruena Vivo e Sineia Wapichana/CIR no painel sobre transição energética justa, no Pavilhão Indígena. Foto Raquel Wapichana/CIR

No dia dedicado aos povos indígenas da América Latina e Caribe no Pavilhão Indígena da COP28, Marta Tipuici, do povo Manoki, participou de uma mesa sobre transição energética justa. Foi um evento em parceria entre a OPAN, a RCA, CIR e as organizações Indigenous Peoples Rights International, Business and Human Rights Resource Center e Right Energy Partnership.

Depois da exibição do filme “Monocultura da Energia” e de um emocionante depoimento de Luene Karipuna, da Associação das Mulheres Indígenas Mutirão, no Amapá, sobre os impactos já sentidos pelos povos indígenas decorrentes dos movimentos especulativos da indústria do petróleo na foz do rio Amazonas, Tipuici falou da situação do planejamento hidrelétrico na bacia do rio Juruena. O caso foi levado ao nível global, na medida em que esta fonte energética é vista como limpa e renovável no contexto das mudanças climáticas. “Será que de fato estão fazendo uma transição justa na nossa região? Não estamos fazendo parte deste debate”, discursou.

Marta Tipuici no evento “Transição Energética Justa: Experiências dos Povos Indígenas, co-propriedade e acordos de partilha de benefícios da América do Norte para a América do Sul.

Ela denunciou o problemático cumprimento do direito à consulta livre, prévia e informada no estado de Mato Grosso e na bacia do rio Juruena, e que os instrumentos de gestão do território devem ser utilizados como meios de aumentar a capacidade de as comunidades resistirem às mudanças climáticas. “Nós, povos indígenas, não vamos salvar o mundo sozinhos por algo que nós não provocamos. O Brasil precisa ser responsabilizado por não respeitar nossos protocolos de consulta e nossos planos de gestão territoriais”, disse.

Brasil retomará co-presidência do Caucus Indígena da Convenção do Clima em 2025

No ano da COP30 Sineia Wapichana dará início ao mandato no Fórum Internacional.

Por Andreia Fanzeres/OPAN

Sineia Wapichana/CIR nomeada como co-presidente pelo grupo da América Latina e Caribe. Foto: Patricia Zuppi/RCA

A COP28 começou com uma importante notícia para o movimento indígena brasileiro. Sineia Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima (CIR) será a próxima co-presidente para a América Latina e Caribe do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas, o Caucus Indígena. Seu mandato vai começar na Conferência do Clima de Bonn de 2025, prévio à COP30, que acontecerá no Brasil. Será a segunda vez que uma brasileira ocupou este lugar, só precedido por Joenia Wapichana, em 2011.

A guatemalteca Lola Cabral, líder maya, atual co-presidente do Caucus América Latina e Caribe, se colocou à disposição de Sineia para apoiá-la na transição. “Este é um trabalho árduo e importante de coordenação do movimento indígena, precisamos nos ajudar. O resultado é este: povos indígenas da América Latina e Caribe”, falou.

Sineia Wapichana e Lola Cabnal. Foto: Andreia Fanzeres/OPAN

Sineia, que acompanha o Caucus e as discussões internacionais sobre clima há 12 anos, agradeceu a indicação e a confiança dos representantes indígenas da América Latina e Caribe, nesta manhã, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. “Agradeço também aos nossos apoiadores, em especial à Fundação Tebtebba e à RCA, que vem me apoiando para acompanhar as discussões de Bonn, na Alemanha, e as COPs todos esses anos, o que me fez aprender muito”, disse.

“Reforço a competência e compromisso de Sineia. Ela tem experiência e inspira as novas gerações”, disse a líder indígena peruana, Tarcila Rivera Zea, do Enlace Continental de Mujeres Indígenas de Las Américas.

Aprendendo com quem sabe

Foto: Comunicação CIR

Intercâmbio de experiências indígenas sobre clima mostra pioneirismo de Roraima no trabalho técnico de formação nos territórios para uma incidência internacional de qualidade.

Andreia Fanzeres/OPAN

TI Raposa Serra do Sol, RR – As noites quentes à beira do Lago Caracaranã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, fizeram os participantes do “Intercâmbio de experiências locais de povos indígenas sobre mudanças climáticas” a sentirem na pele o incômodo de um mundo mais quente e desequilibrado. O cenário paradisíaco daquele pedacinho de chão de água doce, do exclusivo lavrado roraimense e das montanhas na fronteira com a Guiana foi palco de um encontro organizado pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), pela Rede de Cooperação Amazônica (RCA) e pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) com o objetivo de discutir temas importantes ligados à agenda de clima, entre eles gestão territorial e incidência internacional, desta vez num território símbolo da luta pelos direitos dos povos indígenas, cuja energia contagiou os presentes.

“Nesse intercâmbio de experiências dos estados da Amazonia e de todas as regiões de Roraima, estamos tratando e discutindo temas relevantes para contribuir com um plano de enfrentamento macro para toda a Amazônia, para que a gente possa ter uma influência no PNA [Plano Nacional de Adaptação]. A gente quer um plano que nós construímos e não de cima para baixo”, explicou Sineia do Vale, do povo Wapichana, coordenadora do Departamento de Gestão Territorial e Ambiental do CIR e coordenadora nacional do Comitê Indígena de Mudança Climática (CIMC). Não há tempo a perder. “Esse é um momento de crise climática e precisamos estar a postos para ajudar as nossas comunidades”, alerta.

Sineia do Vale, do povo Wapichana, com Maria de Fátima André, do povo Macuxi, e Raquel Wapichana, apresentando trabalhos do CIR no Departamento de Gestão Territorial e Ambiental e no Núcleo da Juventude. Foto: Andreia Fanzeres/OPAN

Há cerca de dez anos, o CIR publicou seu primeiro plano de enfrentamento às mudanças climáticas com base nas experiências locais na região da Serra da Lua, na porção leste do estado. Além de ter servido como referência para elaboração do sub-capítulo indígena do primeiro Plano Nacional de Adaptação do Brasil – publicado em 2016 e atualmente em fase de revisão – este ano o trabalho foi apresentado pela primeira vez numa atividade da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas da Convenção do Clima, em Bonn, na Alemanha, no mês de junho

Agora, em Roraima, foi a vez de os participantes conhecerem em primeira mão as experiências de construção de outros dois planos, os da região do Amajari e os da própria Raposa Serra do Sol, que estão sendo finalizados e ainda não foram publicados. Tratam-se de trabalhos feitos com as comunidades, que devem participar ativamente desses mecanismos para compreendê-los e utilizá-los. “É muito importante que as comunidades estejam cientes sobre salvaguardas e seus direitos, e para isso precisam ter acesso a essas informações com linguagem simples e respeitando seu modo de vida”, destaca Sineia.

No encontro, além das lideranças de diversas regiões etnoambientais de Roraima que compõem o CIR, cada representante indígena foi convidado a compartilhar sua vivência, ações e reflexões acerca das mudanças climáticas. Além do CIR, que foi anfitrião, participaram pela RCA a Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), a Organização Geral dos Mayoruna (OGM), a Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), a Organização dos Professores Indígenas do Acre (Opiac) e a Rede Juruena Vivo com representantes dos povos Rikbaktsa, Manoki e Kawaiwete.

Representantes das organizações de base da RCA e Rede Juruena Vivo visitam sede do CIR antes do início do intercâmbio. Foto: Comunicação/CIR.

Para Patrícia Zuppi, secretária-executiva adjunta da RCA, a mudança na metodologia das capacitações sobre incidência climática e o seu deslocamento para um contexto de território pretendeu valorizar o intercâmbio entre as lideranças indígenas, fortalecendo as estratégias de incidência dos povos indígenas na pauta de clima. “Nós sempre fizemos reuniões preparatórias antes da agenda internacional e buscamos mapear o contexto da Convenção do Clima, seus espaços, modos de funcionamento e oportunidades de participação dos povos indígenas, entendendo quais são os temas prioritários de interesse das comunidades. A partir desse entendimento e desse mapeamento, acreditamos que os representantes indígenas possam se preparar melhor para levar a esses espaços as suas vozes e perspectivas. Nós estamos fazendo isso há alguns anos, sempre numa articulação com o movimento indígena. Agora, a capacitação num território indígena, um desejo antigo das lideranças, buscou enraizar mais essas conversas, contemplando melhor as experiências, iniciativas e demandas provenientes dos territórios”, detalhou.

Aprendizados para a Rede Juruena Vivo

O pioneirismo do CIR na pauta de clima pôde ser entendido dentro de seu histórico de formação política do movimento indígena há mais de cinco décadas. A experiência de antigas lideranças presentes ao encontro, somadas às falas potentes e engajadas dos jovens, não só representaram concretamente o sentido do intercâmbio, mas impressionaram os participantes da Rede Juruena Vivo no encontro.

“A organização deles [CIR] é muito forte. Podemos levar como experiência para a nossa comunidade o envolvimento dos jovens, para que eles possam adquirir esse conhecimento, mostrando que eles têm capacidade de ajudar na organização do povo, como vimos em Roraima. As mudanças climáticas são um aprendizado novo. É muito importante repassar isso”, comentou Givanildo Bismy, do povo Rikbaktsa. Como apontou Dineva Kayabi, vice-tesoureira da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), representante do povo Kawaiwete e membro da Rede Juruena Vivo, é bonito de ver como os jovens participam e encaram a responsabilidade. “Cada vez que eu venho aqui eu me fortaleço, levo como referência essa juventude. É meu orgulho”, falou.

Participantes do estado de Mato Grosso apresentam-se à Plenária – OPAN, Rede Juruena Vivo e ATIX/Fepoimt/RCA. Foto: Patrícia Zuppi/RCA.

“A gente aprende muito quando vem pra esse lugar e conhece a experiência de luta do movimento indígena de Roraima pela perspectiva deles próprios. Foi inspirador. Vivemos numa região em que todos estão sentindo as mudanças climáticas, mas é difícil conectar isso com as discussões nacionais e internacionais porque elas são complexas, cheias de siglas. Temos um desafio de valorizar a perspectiva de quem está no local, o conhecimento e levar a mensagem das comunidades adiante, transformando isso em política pública e em ações concretas”, avaliou Liliane Xavier, indigenista da OPAN.

Tipuici Manoki, que já representou a Rede Juruena Vivo nacional e internacionalmente, ressaltou a importância de mulheres como Telma Taurepang e Sineia do Vale, que estavam ao seu lado, no processo de formação política na luta por direitos e para incidência em clima quando os indígenas que já tinham ido a uma Conferência do Clima foram convidados para compartilhar sua experiência. “É muito verdadeiro quando a Telma diz que as universidades não nos ensinam a estar nesses espaços porque são políticos. O que eu aprendi foi durante minha vida no movimento. Eu não planejei isso. Sempre lutei pelo meu povo e meu território e as consequências das minhas ações me levaram até a COP, em Katowice, na Polônia, em 2018, depois para Berlim, em 2019 e agora para cá”, relatou.

Participantes do estado de Mato Grosso apresentam-se à Plenária – OPAN, Rede Juruena Vivo e ATIX/Fepoimt/RCA. Foto: Patrícia Zuppi/RCA.

Tipuici falou também sobre a importância de estudar e se preparar para uma atuação fora do país, principalmente no tema de clima. “Participamos de formações locais, estaduais, depois em Brasília quando fomos para a COP. As formações fazem a gente entender esses espaços, mas nossa capacidade de falar em pouco tempo e com as palavras chave, na linguagem deles, depende do quanto nós estamos envolvidos com os nossos territórios”, pontuou.

“Estamos mais uma vez fazendo formação. Logo mais teremos o nosso Festival Juruena Vivo e já temos uma mesa para falar sobre clima. Quero agradecer mesmo à Sineia e estou com esperança para fazermos o nosso plano de enfrentamento. Tenho orgulho de dizer que nós fizemos nosso protocolo de consulta depois dessas incidências. Com os materiais do CIR e toda essa bagagem de conhecimento, vamos amadurecer ainda mais. Precisamos levar tudo isso e aplicar no nosso território. Esse é o nosso papel”, concluiu Tipuici.

Desde 2020, a RCA e a OPAN são parceiras em iniciativas de formação sobre clima e processos de incidência internacional com povos indígenas.

Aprendendo com quem sabe

Intercâmbio de experiências indígenas sobre clima mostra pioneirismo de Roraima no trabalho técnico de formação nos territórios para uma incidência internacional de qualidade.

Por Andreia Fanzeres/OPAN

Intercâmbio de iniciativas locais de povos indígenas no enfrentamento às mudanças do Clima, Lago Caracaranã. Foto: Comunicação CIR

TI Raposa Serra do Sol, RR – As noites quentes à beira do Lago Caracaranã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, fizeram os participantes do “Intercâmbio de experiências locais de povos indígenas sobre mudanças climáticas” a sentirem na pele o incômodo de um mundo mais quente e desequilibrado. O cenário paradisíaco daquele pedacinho de chão de água doce, do exclusivo lavrado roraimense e das montanhas na fronteira com a Guiana foi palco de um encontro organizado pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), pela Rede de Cooperação Amazônica (RCA) e pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) com o objetivo de discutir temas importantes ligados à agenda de clima, entre eles gestão territorial e incidência internacional, desta vez num território símbolo da luta pelos direitos dos povos indígenas, cuja energia contagiou os presentes.

“Nesse intercâmbio de experiências dos estados da Amazônia e de todas as regiões de Roraima, estamos tratando e discutindo temas relevantes para contribuir com um plano de enfrentamento macro para toda a Amazônia, para que a gente possa ter uma influência no PNA [Plano Nacional de Adaptação]. A gente quer um plano que nós construímos e não de cima para baixo”, explicou Sineia do Vale, do povo Wapichana, coordenadora do Departamento de Gestão Territorial e Ambiental do CIR e coordenadora nacional do Comitê Indígena de Mudança Climática (CIMC). Não há tempo a perder. “Esse é um momento de crise climática e precisamos estar a postos para ajudar as nossas comunidades”, alerta.

Sineia do Vale, do povo Wapichana, com Maria de Fátima André, do povo Macuxi, e Raquel Wapichana, apresentando trabalhos do CIR no Departamento de Gestão Territorial e Ambiental e no Núcleo da Juventude. Foto: Andreia Fanzeres/OPAN

Há cerca de dez anos, o CIR publicou seu primeiro plano de enfrentamento às mudanças climáticas com base nas experiências locais na região da Serra da Lua, na porção leste do estado. Além de ter servido como referência para elaboração do sub-capítulo indígena do primeiro Plano Nacional de Adaptação do Brasil – publicado em 2016 e atualmente em fase de revisão – este ano o trabalho foi apresentado pela primeira vez numa atividade da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas da Convenção do Clima, em Bonn, na Alemanha, no mês de junho.

Agora, em Roraima, foi a vez de os participantes conhecerem em primeira mão as experiências de construção de outros dois planos, os da região do Amajari e os da própria Raposa Serra do Sol, que estão sendo finalizados e ainda não foram publicados. Tratam-se de trabalhos feitos com as comunidades, que devem participar ativamente desses mecanismos para compreendê-los e utilizá-los. “É muito importante que as comunidades estejam cientes sobre salvaguardas e seus direitos, e para isso precisam ter acesso a essas informações com linguagem simples e respeitando seu modo de vida”, destaca Sineia.

No encontro, além das lideranças de diversas regiões etnoambientais de Roraima que compõem o CIR, cada representante indígena foi convidado a compartilhar sua vivência, ações e reflexões acerca das mudanças climáticas. Além do CIR, que foi anfitrião, participaram pela RCA a Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Organização Geral dos Mayoruna (OGM), a Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), a Organização dos Professores Indígenas do Acre (Opiac) e a Rede Juruena Vivo com representantes dos povos Rikbaktsa, Manoki e Kawaiwete.

Representantes das organizações de base da RCA e Rede Juruena Vivo visitam sede do CIR antes do início do intercâmbio. Foto: Comunicação/CIR.

Para Patrícia Zuppi, secretária-executiva adjunta da RCA, a mudança na metodologia das capacitações sobre incidência climática e o seu deslocamento para um contexto de território pretendeu valorizar o intercâmbio entre as lideranças indígenas, fortalecendo as estratégias de incidência dos povos indígenas na pauta de clima. “Nós sempre fizemos reuniões preparatórias antes da agenda internacional e buscamos mapear o contexto da Convenção do Clima, seus espaços, modos de funcionamento e oportunidades de participação dos povos indígenas, entendendo quais são os temas prioritários de interesse das comunidades. A partir desse entendimento e desse mapeamento, acreditamos que os representantes indígenas possam se preparar melhor para levar a esses espaços as suas vozes e perspectivas. Nós estamos fazendo isso há alguns anos, sempre numa articulação com o movimento indígena. Agora, a capacitação num território indígena, um desejo antigo das lideranças, buscou enraizar mais essas conversas, contemplando melhor as experiências, iniciativas e demandas provenientes dos territórios”, detalhou.

Aprendizados para a Rede Juruena Vivo

O pioneirismo do CIR na pauta de clima pôde ser entendido dentro de seu histórico de formação política do movimento indígena há mais de cinco décadas. A experiência de antigas lideranças presentes ao encontro, somadas às falas potentes e engajadas dos jovens, não só representaram concretamente o sentido do intercâmbio, mas impressionaram os participantes da Rede Juruena Vivo no encontro.

“A organização deles [CIR] é muito forte. Podemos levar como experiência para a nossa comunidade o envolvimento dos jovens, para que eles possam adquirir esse conhecimento, mostrando que eles têm capacidade de ajudar na organização do povo, como vimos em Roraima. As mudanças climáticas são um aprendizado novo. É muito importante repassar isso”, comentou Givanildo Bismy, do povo Rikbaktsa. Como apontou Dineva Kayabi, vice-tesoureira da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), representante do povo Kawaiwete e membro da Rede Juruena Vivo, é bonito de ver como os jovens participam e encaram a responsabilidade. “Cada vez que eu venho aqui eu me fortaleço, levo como referência essa juventude. É meu orgulho”, falou.

“A gente aprende muito quando vem pra esse lugar e conhece a experiência de luta do movimento indígena de Roraima pela perspectiva deles próprios. Foi inspirador. Vivemos numa região em que todos estão sentindo as mudanças climáticas, mas é difícil conectar isso com as discussões nacionais e internacionais porque elas são complexas, cheias de siglas. Temos um desafio de valorizar a perspectiva de quem está no local, o conhecimento e levar a mensagem das comunidades adiante, transformando isso em política pública e em ações concretas”, avaliou Liliane Xavier, indigenista da OPAN.

Participantes do estado de Mato Grosso apresentam-se à Plenária – OPAN, Rede Juruena Vivo e ATIX/Fepoimt/RCA. Foto: Patrícia Zuppi/RCA.

Tipuici Manoki, que já representou a Rede Juruena Vivo nacional e internacionalmente, ressaltou a importância de mulheres como Telma Taurepang e Sineia do Vale, que estavam ao seu lado, no processo de formação política na luta por direitos e para incidência em clima quando os indígenas que já tinham ido a uma Conferência do Clima foram convidados para compartilhar sua experiência. “É muito verdadeiro quando a Telma diz que as universidades não nos ensinam a estar nesses espaços porque são políticos. O que eu aprendi foi durante minha vida no movimento. Eu não planejei isso. Sempre lutei pelo meu povo e meu território e as consequências das minhas ações me levaram até a COP, em Katowice, na Polônia, em 2018, depois para Berlim, em 2019 e agora para cá”, relatou.

Tipuici falou também sobre a importância de estudar e se preparar para uma atuação fora do país, principalmente no tema de clima. “Participamos de formações locais, estaduais, depois em Brasília quando fomos para a COP. As formações fazem a gente entender esses espaços, mas nossa capacidade de falar em pouco tempo e com as palavras chave, na linguagem deles, depende do quanto nós estamos envolvidos com os nossos territórios”, pontuou.

Intercâmbio de experiências locais dos povos indígenas sobre mudanças climáticas. Foto: Patrícia Zuppi/RCA.

“Estamos mais uma vez fazendo formação. Logo mais teremos o nosso Festival Juruena Vivo e já temos uma mesa para falar sobre clima. Quero agradecer mesmo à Sineia e estou com esperança para fazermos o nosso plano de enfrentamento. Tenho orgulho de dizer que nós fizemos nosso protocolo de consulta depois dessas incidências. Com os materiais do CIR e toda essa bagagem de conhecimento, vamos amadurecer ainda mais. Precisamos levar tudo isso e aplicar no nosso território. Esse é o nosso papel”, concluiu Tipuici.

Desde 2020, RCA e OPAN são parceiras em iniciativas de formação sobre clima e processos de incidência internacional com povos indígenas.

Livro da RCA apresenta  espaços cívicos como elementos fundamentais da democracia

Texto: Comunicação Iepé

“Em meio a celebração dos 100 primeiros dias do governo Bolsonaro, o Diário Oficial da União estampava, na manhã do dia 11 de abril de 2019, o decreto presidencial nº 9.759 que extinguia e limitava colegiados da administração pública federal. A partir de 28 de junho daquele ano, estavam extintos todos os ‘conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas e qualquer outra denominação dada ao colegiado’ no âmbito da administração federal”.

Essa passagem do livro “Em Defesa do Espaço Cívico – Participação e Controle Social nas Políticas Indigenistas” explica  tanto sobre o contexto em que o livro foi gerado quanto a importância que ele fosse escrito. Publicado em julho pela RCA (Rede de Cooperação Amazônica), o livro fala sobre a importância dos espaços cívicos em geral para a democracia, e mais especificamente a importância desses espaços de participação social para a condução da política indigenista do Estado brasileiro em anos recentes. 

Mas do que estamos falando quando falamos de espaços cívicos? 

Segundo Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé, o espaço cívico é “a esfera pública onde cidadãos se organizam, debatem e agem para influenciar opiniões e políticas públicas. O espaço cívico pode ser definido como a camada situada entre o Estado, os negócios e a família, na qual os cidadãos se organizam, debatem e agem. Um espaço cívico saudável e aberto implica que grupos e indivíduos da sociedade civil sejam capazes de se organizar, participar e se comunicar sem impedimentos – e, ao fazê-lo, possam acessar informações, reivindicar seus direitos e influenciar a opinião pública, as políticas públicas e as estruturas políticas e sociais ao seu redor”.  

Quando falamos de participação social e de espaços cívicos, falamos de organizações não governamentais, igrejas, sindicatos, movimentos sociais, jornalistas. 

A democracia fica essencialmente menos democrática quando os espaços cívicos são extintos – seja de uma tacada só com uma assinatura, ou pouco a pouco, com o desmonte gradual das suas estruturas. 

O livro em si é produto de uma época de transição: os textos foram escritos entre 2022 e 2023, justamente o último ano de Bolsonaro e o primeiro de Lula, que na primeira semana de seu mandato, assinou o decreto nº 11.371. O decreto “revogou a extinção dos colegiados da administração pública federal, condição indispensável para a recomposição do espaço cívico e da participação social nas políticas do Estado brasileiro. Vale registrar que o governo de transição contou com a participação de representantes de mais de 60 organizações da sociedade civil e de movimentos sociais, que além de fazerem propostas para o plano do novo governo, formularam as diretrizes para a revogação de uma série de atos de Bolsonaro, entre eles o decreto no 9.759”, escreve o antropólogo Luis Donisete Benzi Grupioni, na apresentação do livro.

Controle Social e participação indígena

O livro é composto por sete artigos, além do texto introdutório, abordando os principais colegiados criados junto às políticas públicas indigenistas, esclarecendo quando foram criados, como eram compostos, por quem, com que mandato e que impacto tiveram no desenho de programas e ações governamentais durante sua vigência e para a efetivação dos direitos indígenas.

O leitor encontrará informações sobre os conselhos e colegiados articulados à implementação da política de educação escolar indígena (Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena), de atendimento primário à saúde indígena (Conselho Distrital de Saúde Indígena), de gestão territorial (Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas), de cultura indígena (Colegiado Setorial de Culturas Indígenas), de articulação interinstitucional (Conselho Nacional de Política Indigenista) que, por assim dizer, formavam o núcleo duro da política indigenista brasileira. Também encontrará informações sobre a participação indígena nos mecanismos de proteção e acesso ao patrimônio genético e a recursos oriundos do Fundo Amazônia.

“Avalio que a grande contribuição deste livro é mostrar que o fechamento de espaços de participação e controle social indígena implica na regressão de políticas públicas e, consequentemente, na não efetivação dos direitos indígenas, e afirmar que não é concebível que políticas públicas sejam formuladas e implementadas sem contar com a contribuição dos principais interessados nelas”, afirmou Luis Donisete Grupioni, organizador do livro. 

O livro “Em Defesa do Espaço Cívico – Participação e Controle Social nas Políticas Indigenistas” é uma realização da RCA e do Iepé, e contou com o apoio do Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos; Rainforest Foundation Norway e Ford Foundation. 

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INDÍGENAS, RCA E IEPÉ MARCAM PRESENÇA EM ENCONTRO ANUAL DA ONU SOBRE DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS

Delegação da Rede de Cooperação Amazônica contou com duas mulheres indígenas que levaram até Genebra denúncias sobre mineração ilegal e a pauta LGBTQIAP+

Texto: Comunicação Iepé

Palácio das Nações, ONU, em Genebra/Suíça (Foto: Patricia Zuppi/RCA)

Na segunda quinzena de julho aconteceu a 16ª Sessão do Mecanismo de Peritos em Direitos dos Povos Indígenas das Nações Unidas – EMRIP. Realizado em Genebra, na Suíça, o encontro contou com a participação de uma delegação do RCA (Rede de Cooperação Amazônica), formada por quatro integrantes:

  • Elizangela Baré, da FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro)
  • Lilia Karipuna, da AMIM (Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão)
  • Luis Donisete Benzi Grupioni (Iepé/RCA)
  • Patrícia de Almeida Zuppi (RCA)
Delegação do RCA e Race & Equality durante o 16º EMRIP (Foto: Patricia Zuppi/RCA)

A delegação acompanhou os trabalhos ao longo da semana, inscreveu falas e pronunciamentos orais, e manteve uma extensa agenda de reuniões bilaterais com diversos mecanismos e procedimentos especiais (Alto Comissariado da ONU para o Brasil, Relatoria Especial da ONU para Água e Saneamento, Comitê para Eliminação da Discriminação contra a Mulher, Relatoria Especial para o Meio Ambiente, Relatoria Especial para Mudanças Climáticas, Relatoria Especial para Alimentação e Relatoria Especial para Povos Indígenas). A delegação também teve reunião com o Ministro Conselheiro da Missão Permanente do Brasil na ONU. 

Elizangela Baré e Lilia Karipuna levaram importantes pautas indígenas para Genebra (Foto: Patricia Zuppi/RCA)

Nessas reuniões bilaterais, a delegação apresentou um panorama da situação atual dos povos indígenas na Amazônia brasileira, com destaque para os impactos percebidos na qualidade da água dos rios nos territórios indígenas decorrentes da contaminação pelo garimpo ilegal e pela falta de saneamento em municípios no entorno. As lideranças indígenas alertaram para os efeitos causados na saúde das crianças e na segurança alimentar.

O Secretário Executivo da RCA, entregou o Relatório produzido pelo Iepé sobre o estudo realizado junto à Fiocruz relativo ao mercúrio identificado nos peixes dos rios do Amapá e norte do Pará.

Eventos paralelos: quando as discussões se aprofundam

Além do evento principal, a programação do EMRIP inclui diversos eventos paralelos. Nesta edição do EMRIP, a RCA e o Iepé, em parceria com outras organizações,  realizaram um evento paralelo com o tema “Iniciativas Indígenas de Proteção Territorial na Amazônia Ameaçada”.

Evento paralelo organizado pela delegação da RCA e Iepé (Foto: Leonor Hernández/Associação para os Povos Ameaçados)

No evento, os participantes destacaram as crescentes ameaças aos territórios indígenas, como invasões, desmatamento, extrativismo, garimpo ilegal, monoculturas e grandes empreendimentos no entorno de suas áreas, bem como a crescente tomada da região por cartéis de drogas e grupos paramilitares, que resultam em altíssimos impactos e riscos à segurança e à vida das comunidades indígenas, intensificados pelo desmonte das políticas ambientais e de proteção territorial nos últimos quatro anos no Brasil.

E apresentaram iniciativas autogestionadas para proteger seus territórios e bem-estar de suas comunidades, como as expedições de monitoramento dos limites dos territórios, o fortalecimento de organizações de base e a criação de coletivos voltados à proteção dos grupos mais vulneráveis. A elaboração e implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PGTAs) e os Protocolos Próprios de Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado também foram destacados como instrumentos de governança e de regulação das relações com a sociedade envolvente.

Esse evento paralelo foi realizado pela RCA; AMIM; FOIRN; UNIVAJA (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari); Society for Threatened People (STP); com apoio do Iepé, Instituto Internacional Raça, Igualdade e Direitos Humanos; Fundação Ford e Rainforest Foundation Norway.

Luis Donisete e Lilia Karipuna durante evento paralelo do 16º EMRIP (Foto: Patricia Zuppi/RCA)

Os eventos paralelos fazem parte da programação oficial: essa é uma oportunidade de ampliar o espaço de participação direta das lideranças indígenas durante a sessão e apresentar com mais profundidade as pautas consideradas prioritárias.

Desenvolvimento sim, mas não de qualquer maneira!

Durante o Encontro, Elizangela Baré, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, realizou um importante discurso sobre mineração ilegal e os perigos que ela apresenta aos povos indígenas. 

Destacamos abaixo alguns trechos de seu pronunciamento, feito diretamente do Palácio das Nações Unidas:

A mineração ilegal tem causado a crise humanitária em nossos territórios.

A mineração não é uma atividade tradicional dos povos indígenas e tem causado impactos gravíssimos, como a contaminação dos peixes, que são a base da nossa alimentação.

Nossas crianças e comunidades ficam doentes com a contaminação do peixe com mercúrio e isso afeta a pesca tradicional.

Com isso, o extrativismo ilegal traz prostituição, violência, alcoolismo, doenças externas aos territórios e põe em risco nossa segurança alimentar e práticas tradicionais.

Nosso potencial econômico não está na extração de minerais. É uma prática colonizadora.

Que o Estado brasileiro garanta a efetivação do direito à consulta prévia, livre e informada e reconheça para isso os próprios protocolos dos povos indígenas.

Desenvolvimento sim, não de qualquer maneira!

Elizângela Baré da FOIRN apresentando a declaração oral sobre os impactos da mineração ilegal nos territórios indígenas da Amazônia brasileira (Foto: Patricia Zuppi/RCA)

Indígenas e a pauta LGBTQIAP+

Outro tópico abordado em Genebra foi a questão dos indígenas LGBTQIAP+. Lilia Ramos Oliveira, do povo Karipuna, é uma indígena lésbica e a primeira mulher indígena vereadora de Oiapoque-AP. Ela foi a Genebra como representante da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão.     

“Hoje, quando saímos do nosso território, nos deparamos com o preconceito nos espaços públicos da cidade. Dentro das universidades, a existência de estudantes LGBTQIA+ indígenas é frequentemente questionada”, afirma Lilia, que levou a Genebra 3 recomendações para o Estado brasileiro:

  • Promover a capacitação de lideranças indígenas LGBT sobre mecanismos de promoção e discussão de seus direitos, inclusive em nível internacional
  • Criar políticas públicas para prevenir a violência e o discurso de ódio contra os indígenas LGBT
  • Garantir o acesso à justiça e a punição dos agressores por atos de violência contra indígenas LGBT

“Os ataques contra os indígenas LGBTQIAP+ não se limitam ao discurso de ódio. Casos de graves ataques físicos e psicológicos, incluindo homicídios, foram relatados. Apesar disso, as denúncias apresentadas não se traduzem em justiça e a impunidade é a norma”, conclui Lilia.

Elizangela Baré e Lilia Karipuna na Plenária do 16º EMRIP, Palácio das Nações (Foto: Patricia Zuppi/RCA)

O registro deste evento está disponível no You Tube da RCA: Iniciativas indígenas de proteção territorial na Amazônia brasileira ameaçada

Iniciativas indígenas de proteção territorial na Amazônia brasileira ameaçada

Um pouco mais sobre o EMRIP

Criado em 2007 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH), o EMRIP tem a missão de auxiliar os Estados Membros das Nações Unidas a cumprirem as metas da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O colegiado do EMRIP é composto por 7 especialistas independentes em Direitos Indígenas, nomeados pelo CDH.

O mecanismo se reúne na sede da ONU em Genebra uma vez por ano e conta com a participação de representantes do Estado, associações e federações de Povos Indígenas, sociedade civil, organizações intergovernamentais e academia. 

Rede de Cooperação Amazônica

A RCA tem como missão promover a cooperação e troca de conhecimentos, saberes, experiências e capacidades entre as organizações indígenas e indigenistas que a compõem, para fortalecer a autonomia e ampliar a sustentabilidade e bem estar dos povos indígenas no Brasil.