Respeito aos direitos indígenas em Roraima: pela desintrusão da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol

Organizações que integram a RCA endossam nota de apoio da sociedade civil.
Em vista do debate que vem ocorrendo no STF e pela mídia acerca da demarcação e da desintrusão da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima, os abaixo-assinados têm a declarar o seguinte:

  1. Desde a colônia, reconhecem-se os direitos dos índios sobre suas terras, direitos que figuram também em todas as Constituições Brasileiras desde 1934. Desde a colônia também, os interesses econômicos e a cobiça de territórios encontraram subterfúgios para eludir a aplicação dessas leis. É por causa dessa cobiça que as populações indígenas no Brasil mais numerosas se encontram para além da antiga fronteira econômica, tendo sido dizimadas nas regiões de antiga colonização. A Constituição de 1988 explicitou os direitos dos índios sobre suas terras e afirmou o caráter originário desses direitos. É inconcebível que neste novo milênio, se recorra outra vez a casuísmos para expulsar os índios das áreas que passaram a ser cobiçadas, repetindo assim práticas que deveriam nos envergonhar.
  2. A ocupação tradicional indígena sobre a extensão integral da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é comprovada por copiosa documentação histórica e foi determinante para a definição da fronteira brasileira com a Guiana. Mais de 18 mil índios Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona vivem nessa área, organizados em mais de uma centena de comunidades, que praticam suas línguas e costumes.
  3. O processo de demarcação dessa terra se desenvolve desde o fim dos anos 1970. Foi identificada pela Funai em 1993, com a extensão atual, depois foi demarcada administrativa e fisicamente durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1998) e finalmente homologada pelo governo Lula em 2005, tendo sido rejeitadas todas as contestações apresentadas.
  4. A quase totalidade de não-índios que chegaram a ocupá-la de boa fé foi indenizada ou reassentada e a resistência à desintrusão da área se reduz a um pequeno grupo de arrozeiros, que se instalou ao sul da Terra Indígena no início dos anos 1990 e ampliou sua área de produção, mesmo sabendo tratar-se de terras de propriedade da União.
  5. Não existe nenhuma cidade instalada na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mas apenas uma vila, com a quase totalidade da população atual sendo indígena. A Vila Surumu foi criada por fazendeiros que já saíram da Terra Indígena e falta apenas a Funai indenizar 11 moradores não-índios. A vila de Uiramutã, sede do município de mesmo nome, criado em 1995, foi excluída da Terra Indígena em 2005. A maior parte dos habitantes da sede deste município são moradores da aldeia indígena Uiramutã. Havia três bases de garimpo chamadas Socó, Mutum e Água Fria, as quais, com a retirada dos garimpeiros em 1994, passaram a ser reocupadas por indígenas. A Funai indenizou e retirou todos os não-índios e hoje essas localidades estão totalmente integradas às aldeias.
  6. As terras indígenas são bens de propriedade da União, indisponíveis e inalienáveis, e hoje prestam relevantes serviços ambientais ao País, ao proteger as florestas contra o avanço do desmatamento, que destrói as fontes de água, altera o regime de chuvas e elimina a biodiversidade.
  7. A Constituição preconiza a harmonia entre o pleno reconhecimento dos direitos indígenas e a presença do Estado nas Terras Indígenas, inclusive para a promoção da defesa nacional em áreas situadas em faixa de fronteira, que diz respeito à indispensável proteção do território e da própria população indígena. Hoje há bases militares em várias terras indígenas, inclusive em Raposa Serra do Sol, e parte significativa dos soldados é indígena.
  8. Raposa-Serra do Sol não é a única e nem a maior Terra Indígena situada em faixa de fronteira; a demarcação dessas terras contribuiu para a regularização fundiária, reduziu conflitos e não criou qualquer dificuldade para a atuação do Estado, e das Forças Armadas em particular, mesmo em regiões mais críticas, como a fronteira com a Colômbia.
  9. Nunca surgiu em nenhuma Terra Indígena qualquer movimento que atentasse contra a integridade do território nacional, nem qualquer ação insurgente contra o Estado brasileiro.
  10. A área de Raposa-Serra do Sol representa 7,7% do território de Roraima, sendo que uma parte com dupla destinação (área de conservação e terra indígena). O status de Terra Indígena reconhecido em 46,13% do território de Roraima tem razões históricas decorrentes da ocupação imemorial e não é discrepante da representação efetiva da população indígena no âmbito da população rural do estado.
  11. O processo de demarcação de uma Terra Indígena não cria nada, apenas reconhece e protege uma situação de fato, qual seja, a ocupação tradicional indígena de um território. Todos os povos indígenas que habitam os locais onde hoje se encontram as fronteiras brasileiras já estavam ali muito tempo antes delas serem politicamente estabelecidas.
  12. A existência de terras federais com destinações específicas (Terras Indígenas e Unidades de Conservação federais) em Roraima não impede a sua governabilidade e o exercício de direitos pelos demais segmentos da sociedade local sobre o seu território. Excluídas essas terras federais, Roraima ainda conserva extensão superior à do Estado de Pernambuco, onde vive uma população dez vezes maior.

Por tudo isto, os signatários esperam que o STF não tarde a se pronunciar sobre o caso, encerrando essa polêmica que prolonga conflitos desnecessários, reafirmando a plenitude dos direitos constitucionais indígenas e a sua harmonia com os interesses nacionais.

Assinam

(Instituições)

ABA – Associação Brasileira de Antropologia
Abeta – Associação Brasileira de Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura
ABONG – Associação Brasileira de ONGs
Ação Educativa
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
AMIT – Associação Missão Tremembé
Apoinme – Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
Apremavi – Associação de Preservação da Mata Atlântica e da Vida
Articulação de Mulheres Brasileiras
Associação Nossa Tribo
Associação Terra Laranjeiras
CCPY – Comissão Pró-Yanomami
CDHS – Centro de Direitos Humanos de Sapopemba
Cebrades – Centro Brasileiro de Desenvolvimento
CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva
Centro de Cultura Luiz Freire
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Campinas/SP
Centro de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves – São Paulo/SP
CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
Combate ao Racismo Ambiental
Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia
Comissão Pró-Índio de São Paulo
Comitê pela Democratização da Informática do Pará
CONECTAS Direitos Humanos
Conservação Internacional
Credibilidade Ética
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
Ecoa – Comissão Ecologia e Ação
Esplar – Centro de Pesqusia e Assessoria
Fala Preta – Organização de Mulheres Negras
FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FDDI – Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas
Fetopesca – Federação Tocantinense de Pescadores
Foca Brasil
FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro
Fórum Carajás
Fórum Nacional de Mulheres Negras
Fundação Oásis Cidade Aberta
FVA – Fundação Vitória Amazônica
Greenpeace
Grupo Afirmação Homossexual Potiguar – GAHP
GTA – Grupo de Trabalho Amazônico
HAY – Hutukara Associação Yanomami
IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
ICV – Instituto Centro de Vida
IEPÉ – Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena
IIEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil
Imaflora
IMAZON – Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia
INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Instituto Ambiental Vidágua
Instituto Equit – Gênero, Economia e Cidadania Local
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Instituto Matogrossense de Direito e Educação Ambiental
IOS – Instituto Observatório Social
IPESA – Instituto de Pesquisas e Projetos Socioambientais
ISA – Instituto Socioambiental
Justiça Global
Kanindé
MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos
MSM – Movimento dos Sem-Mídia
MST – MOVIMENTO SEM TERRA
NEMA – Núcleo de Estudos de Etnologia Indígena, Meio Ambiente e Populações Tradicionais da PUC-SP
OELA – Oficina Escola Lutherana da Amazônia
ONDAS-DH
Ponto de Cultura Invenção Brasileira
Rede de Integração Verde
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
Saúde e Alegria
SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Terra de Direitos
Thydewas
Vitae Civilis
Web Rádio Brasil Indígena
As adesões podem ser enviadas para [email protected] com cópia para [email protected]

Esclarecimento Público

matéria “ONGs dominam política indigenista”

O CTI Esclarece:
A função e razão de ser da imprensa é informar/esclarecer os leitores sobre os fatos que anuncia e/ou comenta. A matéria “ONGs dominam política indigenista” veiculada pelo ‘O Globo” no último domingo não faz nada disso (O Globo, 27/04/2008, p. 3 a 8). A matéria, pautada pelo e no ponto de vista do ex-presidente da FUNAI, Mércio Gomes, desinforma o leitor. Os fatos omitidos ou claramente distorcidos são estes:
1) Maria Auxiliadora Cruz de Sá LEÃO (e não Leitão como escrito) – foi funcionária de carreira da FUNAI por dezesseis anos, de 1980 até 1996. É bacharel em Antropologia e Sociologia pela Universidade de Brasília e pós-graduanda em Antropologia Social pela PUC-SP. Na FUNAI, realizou inúmeros estudos de identificação para demarcação de terras indígenas onde destacam-se as Terras Indígenas Uru-Eu-Wau-Wau e Rio Guaporé-RO;, Alto Rio Negro e as TIs Tikuna do Alto rio Solimões-AM e Tapirapé-Karajá e Paresi/Utiariti e Rio Formoso-MT. Foi, ainda nos anos oitenta, Chefe da Divisão de Identificação e Delimitação de Terras Indígenas do antigo Departamento Geral de Patrimônio Indígena, atual Diretoria de Assuntos Fundiários e, nos anos 90, fez parte da Assessoria da Presidência da FUNAI na gestão do Sertanista Sydney Possuelo. Em 1996 entrou no primeiro plano de demissão voluntária do Governo Fernando Henrique Cardoso se demitindo da FUNAI, onde entrou por Concurso Público em 1980. Em 1998 é convidada a associar-se ao CTI, sendo eleita presidente em 2001, sem remuneração e não ocupando qualquer cargo executivo naquela entidade, como determina seus estatutos. Em 1999 foi convidada pela GTZ (Cooperação técnica do governo alemão) para integrar o corpo de assessores técnicos do Subprograma de Política de Recursos Naturais (SPRN) no âmbito do – PP-G7 – programa do governo brasileiro para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. E foi por esse passado que foi convidada a assumir a Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF) da FUNAI pelo presidente Márcio Meira.
2) Aluísio Ladeira Azanha é advogado formado pela PUC-SP e bacharelando em Ciências Sociais pela USP. Foi estagiário no Ministério Público Federal e trabalhou por 12 meses no CTI assessorando os povos Guarani na luta pelo reconhecimento dos seus direitos territoriais. Foi convidado a assessorar a Diretoria de Assuntos Fundiários por seu conhecimento sobre os direitos indígenas, em especial, os fundiários e os trabalhos desenvolvidos junto aos grupos indígenas Guarani e Timbira, reforçando assim o quadro da Diretoria Fundiária na sua relação e articulação com a Procuradoria Geral da Funai. Ele nunca trabalhou no ISA.
3) Paulo José Brando Santilli é de fato (e de direito) irmão do ex-deputado (pelo PMDB), ex-presidente da FUNAI (no governo FHC) e fundador do ISA, Márcio Santilli. Mas ele é, também e, sobretudo, doutor em antropologia social pela USP, professor titular da UNESP e foi quem identificou a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol em Roraima. Ele conhece, portanto, os trâmites antropológicos para o reconhecimento das terras indígenas conforme estabelecido na legislação em vigor. Foi por isso que Maria Auxiliadora Leão, Diretora de Assuntos Fundiários, o convidou para assumir a Coordenação de Identificação e Delimitação (CGID) da DAF-FUNAI. Sua coordenação não responde absolutamente pela demarcação física das terras indígenas, mas pelos estudos de identificação e análise dos relatórios antropológicos, ou seja, pelos trabalhos executados por seus pares, os antropólogos, nos procedimentos administrativos para o reconhecimento das terras indígenas pela Funai e Ministério da Justiça.
4) O Centro de Trabalho Indigenista – o CTI da matéria – é uma associação civil sem fins lucrativos com quase 30 anos de existência. Já foi presidido, entre outros, pelas professoras Heloisa de Souza Martins, Sylvia Caiuby Novaes (ambas da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da USP) e Regina Polo Muller (atual presidenta, professora na UNICAMP). O CTI tem como seus conselheiros, entre outros, o jurista Dalmo de Abreu Dallari e o procurador da república Aurélio Rios. Seu histórico de trabalho pode ser visto no sítio http://www.trabalhoindigenista.org.br/.
5) Ao longo destes 30 anos, o coordenador geral do CTI, Gilberto Azanha, por exemplo, foi convidado a exercer o cargo de Administrador da FUNAI no Goiás em 1985, função que exerceu até 1986 – no último Governo militar. Em 1992 foi novamente convidado, pelo então presidente do órgão Sydney Possuelo, a exercer um cargo de confiança na FUNAI, onde ficou até 1994. Na gestão do senhor Mércio Gomes na presidência deste órgão, Gilberto Azanha foi por ele convidado para integrar o Conselho Indigenista do órgão – ao qual renunciou depois das declarações anti-indígenas do senhor Mércio à Agencia de Noticias Reuters (2006). Como se vê, o CTI não vê nenhum problema em emprestar para o Governo alguns de seus quadros mais expressivos desde que a função que se exerce no órgão não seja incompatível o objetivo maior do CTI, que é o de defender os direitos dos povos indígenas do país.
6) Os Termos de Cooperação Técnica que o CTI manteve com a FUNAI no passado recente foram assinados em 2004 e 2006 justamente pelo senhor Mércio Gomes quando presidente do órgão – e tratam de recursos captados pelo CTI no exterior e aplicados no trabalho das Frentes de Proteção aos Povos Isolados da FUNAI e em cursos de formação de professores indígenas. Aqui a “terceirização” é inversa ao que sugere o senhor Mércio Gomes. Os dois Termos de Cooperação FUNAI-CTI foram publicados no Diário Oficial da União na sua gestão e não nesta.
7) Por outro lado não conhecemos o teor dos convênios que o IPARJ (Instituto de Pesquisa Antropológica do Rio de Janeiro), ONG fundada pelo senhor Mércio Gomes, mantém ou manteve com organismos governamentais – por exemplo, com a ELETROBRAS e o IBDF/IBAMA.
8) Ficamos em dúvida sobre o quê ou a quem a matéria d’O Globo e a entrevista do senhor Mércio Gomes pretende “influenciar” – temos cá nossas suspeitas, óbvio – mas seu teor se insere no contexto de uma nova “caça as bruxas” que vem sendo conduzida por alguns veículos de comunicação (que o jornal “O Globo”, cremos que inadvertidamente, se inseriu) contra as organizações da sociedade civil – como se fôssemos os “comunistas” de outrora. Esquecem que a sociedade civil organizada foi responsável pela restauração do Estado de Direito e da democracia no país e que seu papel atual continua o de exercer a crítica propositiva ao Estado e atuar para que o Estado cumpra seu papel constitucional, nos mais variados campos, ou agir onde o Estado se revela carente de quadros e de recursos – como o faz, por exemplo, a ONG “Fundação Roberto Marinho” com o seu “Criança Esperança”.
9) Como o CTI, muitos dos quadros das ONGs sérias são, sim, emprestados ao Governo quando suas competências assim os habilitam – como o fazem empresários que ocupam ou ocuparam vários ministérios ou financistas no Banco Central – e sem que ninguém da imprensa alegasse a priori qualquer “conflito de interesse”. As pessoas que passaram pelo CTI e que hoje estão na FUNAI o estão, repetimos, por sua competência – e se defendem algum interesse da entidade é aquele justamente a que ela se propõe: defender os direitos dos povos indígenas.

Brasília, 27 de abril de 2008

Rede de Cooperação Amazônica

A RCA tem como missão promover a cooperação e troca de conhecimentos, saberes, experiências e capacidades entre as organizações indígenas e indigenistas que a compõem, para fortalecer a autonomia e ampliar a sustentabilidade e bem estar dos povos indígenas no Brasil.