Participaram do encontro 23 lideranças indígenas dos nove estados da Amazônia brasileira, três membros do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e representantes da sociedade civil organizada e dos governos (foto: Haux Produções)
O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da ONU, endossou que os povos indígenas e as comunidades locais são centrais nas discussões sobre o futuro climático. De acordo com o estudo, que é importante fonte de informação sobre as mudanças climáticas e sustentam o entendimento da comunidade internacional sobre questões relacionadas ao tema, como as maiores áreas de florestas preservadas estão localizadas nas Terras Indígenas, esses povos podem indicar um caminho seguro para os governos na criação de políticas climáticas.
Além de trocar experiências de enfrentamento às mudanças climáticas, lideranças da Amazônia, do Cerrado e do Nordeste participaram na Conferência Brasileira de Mudança do Clima
Entre os dias 06 e 08 de novembro ocorreu, em Recife, o Seminário Final de Aperfeiçoamento da Formação em Mudanças Climáticas e Incidência Política, realizado pela Rede de Cooperação Amazônia – RCA em parceria com o Instituto Socioambiental – ISA e apoio da Operação Amazônia Nativa – OPAN. A Formação teve início em 2016, e desde então duas turmas foram formadas, somando 45 lideranças indígenas capacitadas para a incidência política no tema das mudanças climáticas. Além de representantes das 10 organizações indígenas membro da RCA, participaram da Formação lideranças indicadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, que fazem parte do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas – CIMC e têm atuado através da Câmara Técnica de Mudanças Climáticas do Comitê Gestor da PNGATI. Neste módulo final, somaram-se ao grupo representantes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, da Coordinadora de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazónica – COICA, uma delegação com 10 representantes da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME e outra delegação com mais 10 indígenas do Mato Grosso que, a convite da OPAN, está iniciando um processo de formação em incidência na temática do clima; formando um grupo total de lideranças indígenas participantes do Seminário com 35 povos distintos.
Evento promovido pela RCA reuniu 20 agentes de diferentes regiões da Amazônia para discutir os desafios e estratégias para o fortalecimento da gestão ambiental nas Terras Indígenas
Texto e fotos de Marina Rabello | RCA
Diversos são os nomes dados, nas diferentes regiões da Amazônia, àqueles que conhecemos mais genericamente como Agentes Ambientais Indígenas (AAIs). No Acre, eles são Agentes Agroflorestais Indígenas, em Roraima, são Agentes Territoriais e Ambientais Indígenas, no Rio Negro, são Agentes Indígenas de Manejo Ambiental, e no Amapá, são Agentes Socioambientais Wajãpi e do Oiapoque. A diversidade nos nomes reflete as diferentes estratégias colocadas em prática em cada localidade para lidar com os desafios – alguns mais gerais, outros específicos de cada região – que se apresentam para a gestão de territórios hoje limitados, e frequentemente cercados de ameaças. O Seminário sobre Experiências de Formação de Agentes Ambientais Indígenas, realizado pela Rede de Cooperação Amazônica – RCA, entre os dias 25 e 27 de setembro, no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF), em Rio Branco (Acre) reuniu 20 AAIs, representantes de seis experiências de formação realizadas pelas organizações membro da Rede, para discutir as formações e o trabalho dos agentes, compartilhar desafios e oportunidades encontradas em cada contexto, e traçar estratégias conjuntas para o fortalecimento do trabalho dos agentes tanto regional como nacionalmente. Além dos AAIs que apresentaram suas experiências, estiveram presentes representantes das 10 organizações indígenas da RCA.
Nenhuma das 34 recomendações feitas no 3º Ciclo da RPU foi atendida, e o cenário é de intensificação dos ataques do governo aos povos indígenas
O Coletivo RPU Brasil, formado por mais de 20 organizações brasileiras, dentre elas a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB e a Rede de Cooperação Amazônica – RCA, divulgou, em outubro, as versões em português e inglês do Relatório de Meio Período do 3º ciclo da RPU, que evidencia a situação dos direitos humanos no país. A versão em inglês foi apresentada em setembro, durante Evento Paralelo na 42ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra. A APIB e a RCA contribuíram com as avaliações acerca da discriminação e violência contra povos indígenas.
Ao contrário da imagem de um Estado que garante plenamente o respeito aos direitos indígenas que o governo brasileiro quis construir em seu relatório de meio termo e no discurso de Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU, o relatório do Coletivo RPU Brasil mostra que nenhuma das 34 recomendações sobre os direitos dos povos indígenas, feitas pelos países membro da ONU em 2017, foram atendidas. Resumidamente, as recomendações tratavam da garantia do direito dos povos indígenas à demarcação e proteção de seus territórios; da melhoraria do acesso à educação escolar intercultural e da atenção à saúde, saneamento e alimentação adequada; da necessidade do fortalecimento da Funai; da garantia de proteção dos defensores de direitos humanos indígenas; e da efetivação do dever do Estado de consultar os povos indígenas sempre que alguma medida possa afetá-los, como prevê a Convenção 169 da OIT.
Documento realizado pela Hutukara informa como devem ser consultadas as 330 comunidades da TI Yanomami
Os Yanomami e os Ye’kwana tem agora uma nova ferramenta para resistir às ameaças e retrocessos em curso nos direitos indígenas. Após dois intensos anos de trabalho envolvendo todas as suas lideranças e associações, foi publicado, em setembro, o Protocolo de Consulta dos Povos Yanomami e Ye’kwana, realizado pela Hutukara Associação Yanomami, com apoio da Rede de Cooperação Amazônica – RCA, do Instituto Socioambiental – ISA e da Fundação Nacional do Índio – FUNAI. No protocolo, os povos explicam aos governos e demais interessados os seus modos próprios de organização e tomada de decisão, e informam como devem ser consultados pelo Estado sobre medidas legislativas ou administrativas que possam afetar seus direitos, modos de vida e territórios, como determina a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil em 2002.
Os dois povos indígenas compartilham o mesmo território, a Terra Indígena Yanomami, uma terra contínua de 9.664.975 hectares, que está na mira do governo devido ao seu potencial minerário. Hoje, são mais de 27 mil pessoas vivendo em 330 comunidades dentro do território, que já sofreu e ainda sofre com a invasão de garimpeiros. Em maio, lideranças denunciaram a presença de 20 mil garimpeiros dentro da TI. Por conhecerem muito bem os estragos causados pelo garimpo, os Yanomami e Ye’kwana são contra a liberação desta atividade, e da mineração, em seu território, e vão usar o protocolo de consulta para defender o seu direito à consulta livre, prévia e informada. “Nós decidimos fazer nosso próprio protocolo de consulta para proteger a nossa terra e nossas comunidades e porque queremos fortalecer as decisões que tomamos sobre o nosso presente e o nosso futuro”, esclarecem no documento.
Baixe o Protocolo de Consulta dos Povos Yanomami e Ye’kwana aqui.
Nos dias 28 e 29 de agosto, ocorreu, na Universidade de São Paulo (USP), durante a VI edição do Encontro Nacional de Antropologia do Direito (ENADIR), o grupo de trabalho “Consulta prévia, livre e informada e protocolos próprios de consulta: experiências de autonomia política e diálogo intercultural no Brasil”, coordenado por Luis Donisete Grupioni, secretário-executivo da RCA, e Dominique Gallois, professora do departamento de antropologia da USP e coordenadora do programa Zo’é do Iepé.
A proposta do GT partiu da constatação de que a garantia da participação efetiva de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais nos processos de decisão do Estado que os afetam diretamente continua sendo um desafio no Brasil. Apesar dos compromissos assumidos voluntariamente pelo Estado brasileiro ao ratificar a Convenção 169 da OIT e aprovar a Declaração da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas, o direito à consulta livre, prévia e informada é continuamente violado pelos poderes Executivo e Legislativo e encontra obstáculos no poder Judiciário. Desconhecimento e interpretações equivocadas quanto aos sujeitos, modos e efeitos de processos de consulta limitam a efetividade deste direito, enquanto decisões e programas governamentais são implementados sem a devida escuta das comunidades afetadas. Reagindo a esse cenário, elas têm elaborado protocolos autônomos de consulta explicitando suas regras de tomada de decisões e de representação política. Foi esse novo campo de reflexões apresentado para a antropologia e o direito que o GT teve o objetivo de explorar.
Durante a oficina “A ONU e os direitos humanos dos povos indígenas: traçando estratégias de incidência”, que ocorreu entre os dias 20 e 23 de agosto, na Casa da ONU, em Brasília, 29 lideranças indígenas denunciaram o descumprimento pelo Estado brasileiro das 34 recomendações relativas aos direitos indígenas feitas pelos Estados membro da ONU ao Brasil por ocasião do último ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU), em 2017.
No dia 23 de agosto de 2019, durante o VI Encontro dos Jovens Indígenas do Oiapoque, na Aldeia Santa Isabel (TI Uaçá, Oiapoque, Amapá) foi realizado o lançamento da publicação e do vídeo do Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas do Oiapoque, resultado do processo de discutir internamente e explicitar as regras e procedimentos adequados e específicos dos povos indígenas do Oiapoque para um diálogo respeitoso com o governo.
A elaboração do documento teve início em dezembro de 2017, em uma primeira reunião com a participação de representantes dos quatro povos, Karipuna, Palikur, Galibi Marworno e Galibi Kali’na, seguida por cinco oficinas regionais (Rio Oiapoque, Rio Uaçá, Rio Urukawá, Rio Curipi e BR156). A partir dessas oficinas, o texto foi trabalhado em uma comissão de redação e revisão do documento e, em fevereiro de 2019, o Protocolo foi aprovado em Assembleia.
No VI Encontro dos Jovens Indígenas do Oiapoque, a jovem Luene Karipuna e o grupo de jovens Agentes Ambientais Indígenas (AGAMIN) presentes conduziram o debate sobre o direito à consulta prévia, livre, informada e de boa fé, trazendo a garantia do respeito às formas de organização e decisão dos povos indígenas. Frente aos mais de 200 jovens presentes, destacaram a importância de que a juventude conheça e defenda esse direito, contribuindo com as lideranças para a utilização do documento frente a qualquer medida que possa lhes afetar.
Clique aqui para baixar o PDF do Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas do Oiapoque.
Assista ao vídeo do Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas do Oiapoque, dirigido por Davi Marworno:
A RCA tem como missão promover a cooperação e troca de conhecimentos, saberes, experiências e capacidades entre as organizações indígenas e indigenistas que a compõem, para fortalecer a autonomia e ampliar a sustentabilidade e bem estar dos povos indígenas no Brasil.