Lideranças indígenas denunciam governo Bolsonaro na ONU

Na semana passada, de 15 a 19 de julho de 2019, lideranças indígenas denunciaram a política anti-indígena implementada pelo governo Bolsonaro, no plenário do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, durante a 12ª. Sessão do Mecanismo de Peritos sobre Direitos dos Povos Indígenas. No último dia da reunião, lideranças e organizações indígenas e organizações de apoio emitiram um documento público para conhecimento da comunidade internacional.

Carta de Genebra

Participação de Lideranças Indígenas do Brasil na 12 a Sessão do Mecanismo de Peritos sobre os Direitos dos Povos Indígenas – 2019

Nós, representantes indígenas e membros de organizações de apoio, reunidos durante a 12ª Sessão do Mecanismo de Peritos sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 15 a 19 de julho de 2019, na sede das Nações Unidas, em Genebra, neste momento de retrocessos nas políticas sociais e nos padrões civilizatórios brasileiros, julgamos importante nos manifestar;

Afirmamos que não somos apenas vítimas das violações de direitos, mas no espírito dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), somos agentes de mudanças e atores indispensáveis para que o Brasil possa cumprir com as metas que voluntariamente se comprometeu junto a comunidade internacional;

Vimos perante a comunidade internacional dos povos indígenas, dos Estados- membros das Nações Unidas, das organizações-não governamentais, de acadêmicos e especialistas demonstrar nossa indignação com a atual política do governo do Brasil com respeito aos povos indígenas. Mesmo reconhecendo que também enfrentamos vários problemas e dificuldades em governos anteriores, a situação atual é sem precedentes em nossa história;

Dizemos ao mundo que agora o Brasil é governado por um Presidente que sistematicamente vem se declarando contrário aos povos indígenas, contrário à manutenção e proteção dos territórios indígenas e das áreas protegidas, contrário à participação social e ao ativismo da sociedade civil organizada. Não bastasse tais atos, mesmo depois de eleito, o Presidente Jair Bolsonaro segue dando declarações e entrevistas em que reafirma sua disposição de não demarcar nenhum centímetro de terra indígena, de buscar formas de autorizar a mineração e a exploração dos recursos naturais nessas terras e, ainda, de reduzir terras indígenas e unidades de conservação, garantidas pela Constituição Federal;

Dizemos ao mundo que, entre seus primeiros atos como presidente, transferiu o órgão indigenista federal, a FUNAI (MP 870), do Ministério da Justiça para o Ministério dos Direitos Humanos, Mulher e Cidadania, chefiado por uma pastora evangélica, e retirou dele a incumbência de demarcar terras indígenas, passando essa atribuição ao Ministério da Agricultura e Pesca, este chefiado por uma ruralista. Mesmo o Congresso Nacional tendo rejeitado tais mudanças, insistiu na transferência de atribuições da FUNAI, reeditando nova medida provisória (MP 886), em ato de confronto ao parlamento e considerado inconstitucional;

Dizemos ao mundo que, contrário à participação e controle social, o Presidente Bolsonaro extinguiu por decreto todos os colegiados, fóruns e conselhos que incluíam representantes da sociedade civil, entre eles o CNPI – Conselho Nacional de Política Indigenista, principal instância de pactuação da política indigenista, Conselho Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas e o Fórum de Presidentes do Conselho Distrital de Saúde Indígena;

Dizemos ao mundo que as recomendações sobre povos indígenas, recebidas e aceitas voluntariamente pelo governo brasileiro, durante o 3 o ciclo de Revisão Periódica Universal do Brasil no Conselho de Direitos Humanos, não estão sendo cumpridas e implementadas, não há plano para sua implementação, não obstante já termos passados mais de 2 anos deste processo; Repudiamos o discurso de ódio aos povos indígenas que cresce no país, induzindo ao aumento de invasões de territórios indígenas e da violência, criminalização e ameaças de lideranças indígenas, ao mesmo tempo em que se desmontam as políticas de saúde, educação, cultura e gestão territorial indígena;

Denunciamos a exploração ilegal de minérios nas terras indígenas, bem como o desmatamento ilegal para exploração de madeira além da poluição dos rios por mercúrio; e, ainda, a aprovação desenfreada de 197 agrotóxicos nos últimos seis meses, causando graves problemas de saúde e ameaçando a saúde e o meio ambiente de todos; Deploramos os crimes ambientais com o rompimento de barragens de rejeitos
minerais, que ceifaram vidas, mataram rios e contaminaram com metais pesados ecossistemas que sustentavam a vida de milhares de pessoas;

Lamentamos as posições tomadas pela política externa brasileira durante esta 12 a Sessão, em particular os temas da participação dos povos indígenas no Conselho de Direitos Humanos e a interpretação jurídica minimalista sobre a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, ao mesmo tempo que questionam os mecanismos de implementação da Convenção 169 da OIT,
contribuindo para um limbo jurídico e abrindo um caminho perigoso para a
impunidade;

Repudiamos a insistência dos representantes do governo brasileiro de comparar o tamanho de países com terras indígenas reconhecidas em décadas passadas, omitindo o grande número de territórios sem nenhuma definição e a total falta de disposição do atual governo em dar seguimento aos processos de reconhecimento territorial de vários povos e comunidades indígenas, alijados de seu direito mais fundamental, bem como a falta de ação para coibir invasões em territórios já reconhecidos;

Instamos ao Supremo Tribunal Federal que rejeite a tese do marco temporal, principalmente por meio do caso Xokleng, a ser julgado como de repercussão geral por esse tribunal. A tese do marco temporal é contrária ao Artigo 231 da Constituição e viola as obrigações internacionais contraídas pelo Brasil;

Esperamos que o governo brasileiro implemente as recomendações recebidas no Conselho de Direitos Humanos, seja da Relatora Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas, seja da Revisão Periódica Universal, bem como cumpra com suas obrigações contraídas junto a comunidade internacional mediante a ratificação das convenções que integram nosso ordenamento jurídico nacional.

Genebra, 19 de julho de 2019.

APIB / Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
COIAB / Coordenação das Organizações da Amazônia Brasileira
FEPIPA / Federação dos Povos Indígenas do Pará
REJUIND / Rede de Juventude Indigena
AMIC / Articulação das Mulheres Indígenas do Ceará
HAY / Hutukara Associacao Yanomami
Tronco Velho Pankararu
CIMI / Conselho Indigenista Missionario
RCA / Rede de Cooperacao Amazônica

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